segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O Bom, o Mau e o Maluco

Como diferentes posturas da mesa diretora influenciam no debate

Todos nós estamos cansados e, talvez, um pouco calvos de saber que a boa mesa diretora consegue levar o debate para o assunto ou ênfase de seu interesse, através de crises, cartas de governo, sutis sugestões para certas delegações-chave, etc. Daí algumas pessoas dizerem que diretores também têm um pouco de puppet master em si (e eu me incluo nesse grupo).

Como quase tudo no mundo modelístico, esse tipo de atitude pode ser utilizada tanto para o bem quanto para o mal. Intervenções na hora errada, crises malucas (vide este post), golpes repentinos em países que, até cinco minutos atrás, estavam em relativa paz e harmonia... Tudo isso é feito por mesas diretoras despreparadas, e prejudica o bom andamento do debate. Da mesma maneira, há mesas que, por omissão, deixam o comitê degringolar, apenas para alcançar um ideal inviável de realidade na simulação (afinal, no “mundo real”, os moderadores não intervêm em coisa alguma no debate).

Isso dito, na minha percepção, há duas “correntes” de mesas diretoras: a intervencionista e a neoliberal/“mesa mínima”, ambas com seus respectivos extremos e tons de cinza.

A corrente intervencionista argumenta que a mesa diretora deve intervir no debate sempre que houver um desvio do plano original das discussões. Isso se daria através da modificação do ambiente objetivo da simulação – ou seja, o contexto internacional. Afinal, é para isso que os diretores controlam as “notícias” e cartas de governo. Em suma: se algo vai mal, é necessário corrigir antes que isso prejudique o trabalho do comitê.

Já a teoria da “mesa mínima” defende que, se a China quiser discutir a questão da educação básica no Haiti no Conselho de Segurança, a mão invisível de Kelsen (ou seu teórico predileto) retornará a discussão à normalidade. Ora, se John Bolton resolver falar de moscas da Patagônia no UNSC, não vai ser a presidência da vez que vai impedir. O ideal de que “o rumo do comitê é definido pelos delegados e não é passível de modificação” guia a mesa diretora “mínima”.

Ambos os lados têm argumentos válidos. Todavia, já dizia o velho Aristóteles: “o justo não está nos extremos, mas nos meios”. Ou seja: deve haver uma terceira via, capaz de navegar entre essas duas correntes, maximizando os efeitos positivos de uma intervenção e mitigando os negativos.

Concluindo: avaliar a hora certa de introduzir uma crise ou intervir de qualquer forma é uma capacidade do bom diretor de comitê. Mas é preciso compreender que também faz parte do jogo aquilo que nós, juristas, chamamos de alea – sorte, acaso, imprevisibilidade dos acontecimentos futuros. Coisas que não aconteceram como planejado ou deram errado ocorrem nos melhores comitês – nos piores também, mais freqüentemente – mas os diretores devem decidir se vale mais a pena tentar salvar o comitê por meio de uma intervenção, ou se no fim o status quo não planejado será benéfico para a produção do comitê.

12 comentários:

  1. As unicas palavras que o sono me permite falar neste momento sobre o tema proposto:

    Bom senso. <- ele vai ditar a melhor maneira de se conduzir um comitê.

    Mas, acreditem ou não, ele falta à maioria das pessoas...

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  2. A falta do bom senso é uma condição humana, mesmo..
    Benditas sejam as mesas que tenham (e mantenham) seu bom senso nas negociações!

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  3. Legal esse post, e esse é um assunto que já discuti com muita gente.

    Eu discordo da sua opinião em dois aspectos: quanto ao papel crises e (em decorrência disso) quanto às funções de uma boa mesa.

    Eu não acho que as crises devem servir como meio de direcionar o debate. Sou completamente contra a inserção de temas avulsos pelo simples fato de os diretores discordarem do rumo das discussões. O que muitas mesas (e algumas delas são verdadeiras portas!) não entendem é que fugir do tema, desviar o foco ou simplesmente procrastinar podem ser estratégias racionais e produtivas. A inserção de crises com o objetivo de corrigir o rumo das coisas pode destruir a preparação de um bom delegado simplesmente para satisfazer o ego acadêmico-premonitório de um diretor. Minha discordância, aqui, é quanto ao papel em si das crises. Elas não devem servir para direcionar os debates, mas sim para adicionar um elemento de surpresa, e portanto uma nova dificuldade para todos os delegados.

    Daí vem minha segunda discordância. Acho que, nesse caso, Aristóteles deve dar lugar a Trotsky, que diz que "os apóstulos da justiça conciliatória geralmente são encontrados sentados entre quatro paredes esperando para ver o lado vencedor". A função da mesa, para mim, é preparar com cuidado o comitê (e as crises!!!), fazer um bom guia e moderar o debate. Ponto. Eu nunca vi uma boa mesa intervencionista, e acho que isso não existe pelo simples fato de que é impossível acompanhar tudo o que acontece num comitê. Se um delegado é mal preparado e entrega o ouro para o inimigo, azar dele. Se um delegado do Conselho quer desviar o debate para as borboletas da Mesopotâmia e os outros aceitam, azar deles. O que você chama de acaso é, na verdade, o resultado lógico da preparação dos delegados. E é justo que os mais preparados consigam o que querem, mesmo que isso fuja às expectativas da mesa.

    Eu adoro crises (tanto como mesa como quanto delegado), mas discordo que elas devam servir pra direcionar discussões. Eu não diria que sou um neoliberal (eca!), porque acho que a mesa é muito importante nas simulações, especialmente em comitês de segurança e, mais especialmente ainda, em gabinetes e comitês históricos. Mas a intervenção que anula os imprevistos, na minha opinião, é um dos maiores problemas das simulações atuais.

    Abraços a todos e boas vindas aos novos Quatro!

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  4. Camarada Ortega.

    Concordo em grande parte com você. Eu também acho que crises não são a melhor forma de se "conduzir" ou "balizar" um debate.

    Eu tenho horror a comitês que não conseguem falar do tema proposto. Eu acho, sinceramente, que deixar comitês fazerem o que bem entenderem com o tema é contra-producente. Não se aprende nada! Se isso fosse aceitável, melhor seria deixar os comitês com agenda aberta.

    A questão do intervencionismo benéfico volta na questão do bom senso. Crises (no sentido clássico da palavra) são medidas drásticas demais pra tentar aparar algumas arestas do debate. Mas nada que uma cartinha do Ministtro das RE, ou Chefe de Estado não possa fazer. Isso ajuda a evitar verdadeiros absurdos diplomaticos q arruinariam o comitê por completo. Eu já ameacei demitir diplomatas por cartas de governo. Funcionou.

    Acho q é isso.

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  5. Não poderia concordar mais com o Ortega. Falou e disse:

    "Sou completamente contra a inserção de temas avulsos pelo simples fato de os diretores discordarem do rumo das discussões. O que muitas mesas (e algumas delas são verdadeiras portas!) não entendem é que fugir do tema, desviar o foco ou simplesmente procrastinar podem ser estratégias racionais e produtivas. A inserção de crises com o objetivo de corrigir o rumo das coisas pode destruir a preparação de um bom delegado simplesmente para satisfazer o ego acadêmico-premonitório de um diretor. Minha discordância, aqui, é quanto ao papel em si das crises. Elas não devem servir para direcionar os debates, mas sim para adicionar um elemento de surpresa, e portanto uma nova dificuldade para todos os delegados" (ORTEGA, 2009).

    2. CRISE não é pra CORRIGIR. Crise é pra F**ER.

    3. Vale a adição do JP. Se não pode corrigir com crise (E NÃO PODE!), como corrigir, uai? Usando o famoso VUDU - a cartinha que vem do MRE direto pro delegado. Simples, discreto, e eficaz.

    4. E lembrando - POUCOS, mas MUITO POUCOS comitês, têm crise. A imensa maioria dos comitês não tem, não trata e nunca poderá ter crise.

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  6. Discordo de um ponto tocado por você, Ortega. Dizer que não intervir recompensará os bons delegados e punirá (com justiça) os maus é, de certa forma, uma generalização precipitada. Em comitês grandes, onde, se você não tem apoio, ninguém te ouve, o simples fato de seus aliados não seguirem a política-externa correta pode prejudicar "lindamente" um delegado bem-preparado. Falo isso com conhecimento de causa. Tudo bem que desviar a atenção do comitê para outro assunto pode ser uma estratégia de alguns delegados, mas como foi dito, uma atuação discreta da mesa pode impedir que o comitê descambe, com delegados da Liga Árabe defendendo a existência do Estado de Israel ou países da União Européia incentivando o programa nuclear iraniano.

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  7. É, o Júlio tem bom ponto. O delegado não consegue agir sozinho, e pode se f***r por causa de aliados ruins ou péssimos. Num certo comitê fui um país "mau" e duas potências eram mudas enquanto o Brasil virou o verdadeiro paladino da justiça! Me dei mal.

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  8. Exemplo:
    Já estive na coordenação de uma crise em que um incidente envolvendo Iraque, Irã e Turquia (basicamente todo mundo querendo matar curdos, coisa normal) fez com que os delegados dos EUA achassem por bem isolar o Irã do mundo. Eles só não colocaram na resolução que o Irã devia ser removido de todos os Atlas do mundo porque não deviam saber o que era um Atlas.
    De qualquer forma, quando os delegados russos acharam essa idéia maravilhosa, V. V. Putin entrou em ação, com tocante cartinha de amor aos delegados russos. Com a gentileza que lhe característica, V. V. Putin conseguiu lembrar aos delegados da Rússia no CS o que significa veto. E que matar terroristas curdos não é motivo pra excluir um país da face da terra.

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  9. Mesmo com todos esses exemplos, discordo respeitosamente de vocês. Eu acho uma muleta desonesta fazer com que a mesa substitua a preparação dos delegados por meio de cartinhas não requisitadas (se o delegado se sente inseguro e pede uma opinião ao seu governo, a história é outra).

    Se a inépcia de um delegado, ou de um grupo deles, atrapalha um delegado bom, cabe ao delegado bom mostrar aos ineptos o caminho das pedras, e isso é possível com uma boa conversinha de canto. Se um delegado ameaça votar de maneira contrária à sua Política Externa, bom para aquele que conseguiu convencê-lo de que aquilo seria bom. E assim vai...

    O ideal seria que todos em uma simulação estudassem bastante e que ela refletisse com exatidão um ambiente diplomático real. Mas o ideal também seria que todos tivessem a mesma capacidade de oratória e de persuasão de diplomatas reais, o que nunca acontece e a mesa não tem como corrigir. Eu acho as cartinhas corretoras de rumo uma espécie de trapaça, e por isso sou completamente contra. Se um delegado não estudou, ele tem mesmo que entregar o ouro. Pelo menos essa é a minha opinião.

    Eu me lembro de um comitê em que convenci alguns delegados "inimigos" a aprovar uma resolução que, na vida real, seria absolutamente impossível de passar. A mesa não se meteu, e a resolução passou. Depois de aprovada, alguns dos delegados entreguistas receberam cartinhas de seus governos criticando sua atitude (e aí a coisa é mais aceitável, já que a c***da já havia sido feita).

    O que eu não concordo é que a mesa tente corrigir a falta de preparação dos delegados arbitrariamente. Isso pode ajudar no realismo das simulações, mas atrapalha o ritmo natural das coisas, que para mim é o mais importante.

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  10. COncordo com o cedê no ponto q crise é pra fornicar o comitÊ. Mas isso é bao. É a pimenta no oio dos outros! A brincadeira fica muito mais frenética, as pessoa enlouquecem e é aí que testamos as habilidade de mediação de conflitos e de administração da loucura dos delegados - e da mesa! É um exercício de criatividade e superação por parte de todos.

    MAS o bom senso precisa ser a principal arma do ser humano. Tanto do delegado, na hora de se preparar pra simular, quanto da mesa. A regra número um, pra mim, é o realismo. Sempre temos que tentar chegar o mais próximo do que aconteceria realmenet ou que teria alguma probabilidade razoável de ocorrer. É claro que a qualquer momento dois aviões podem bater nas torres ou a frota japonesa pode errar as coordenadas, mas quem em sã consciência ia prever isso?

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  11. i) A crise: como vocês disseram, crise é pra F***R o comitê, testar a capacidade de cada delegado de se virar com a M***A que apareceu e dar conta de, na pior das hipóteses, presumir minimamente qual seria a ´posição do seu país para aquele tema para o qual ele não se preparou. Na crise você diferencia dois tipos de delegados:

    a) O delegado que estudou o país como um todo do delegado que só sabe o que o país dele faz em relação àquele único tema;
    b) O delegado seguro de si, observador e perspicaz do delegado que leva 25 quilos [ou 132MB] de dados pro comitê;
    c) O delegado que sabe trabalhar sob pressão do delegado que não sabe trabalhar sobre pressão;

    MAS, crises só devem ser feitas em comitês nos quais há a possibilidade de elas existirem, sob circunstâncias minimamente factíveis e - ponto que acho que ninguém mencionou - os delegados possam dar conta de resolver. É bizarro você propor uma crise com que demande conhecimentos que você SABE que seus delegados não têm. É uma p*** falta de bom-senso.

    ii) Cartas: Há delegados que não reagem bem a elas. É sério, o delegado fica AINDA MAIS intimidado, porque pensa "é, eu tô fazendo m***a", e perde o tesão pelo debate. Ou seja, a abordagem das cartas precisa ser bem cuidadosa. Mas acredito que elas devem ser utilizadas quando o delegado que não estudou e não faz a menor idéia do que ele está fazendo ali começa a sacanear [voluntária ou involuntariamente] toda a produção do comitê. Mas, como disse o JP, bom-senso é a chave.

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