domingo, 29 de abril de 2007

A Babel da Modelagem

Eis um assunto crucial para a modelagem, embora subestimado. O que um modeleiro deve considerar na hora de escolher a(s) língua(s) de sua simulação?


De uns três anos para cá, a onda é o modelo misto português-inglês, o equivalente modelístico do bar-balada. Simulações apenas em português continuam comuns, pois existe muito mercado pra isso. Modelos exclusivamente em inglês estão rareando. De cabeça, calculo que uns 40% dos MUNs brasileiros são lusófonos, 40% são linguisticamente mistos e menos de 20% são English-speaking only. Ocasionalmente aparece algum comitê em espanhol, mas é "exótico". Nunca vi nada em outros idiomas no Brasil.

Curta comparação. Na Europa, que tem o mesmo tamanho do Brasil e o triplo da população, o inglês atropelou todos os concorrentes e se impôs como a lingua franca da modelagem. Raros são os comitês simulados em alemão, espanhol ou mesmo francês (quero mudar isto pra 2008).

As respostas mais freqüentes à pergunta do primeiro parágrafo são mais ou menos assim:

- "Comitês em português são obviamente mais acessíveis. Eles permitem que os delegados se expressem com maior desenvoltura e melhor vocabulário, mas fecham as portas para 95% dos estrangeiros e deixam tudo mais informal, mais familiar."

- "Comitês em inglês são um pouco mais elitistas. Eles permitem a participação de estrangeiros - mas isso na prática é raro, mesmo no AMUN - e recriam com mais profissionalismo a atmosfera da ONU. A obrigação de falar outra língua reforça a atmosfera de role-playing, mas dificulta o acesso para quem tem inglês fraco."

- "Comitê em qualquer outra língua é coisa de doido. Difícil arranjar delegado."

Tudo isso é lugar comum para modeleiros e modelistas. Agora vamos um pouco mais longe.

Defendo mais flexibilidade e mais ousadia. Assim como a escolha do tópico e a elaboração da country list devem se adaptar às políticas do modelo, aos interesses acadêmicos dos diretores e ao perfil dos delegados, a escolha da língua deve seguir os mesmos critérios. Querem um exemplo negativo? Quem disse que o único comitê em inglês de um modelo misto precisa ser automaticamente o Conselho de Segurança, ops, Security Council? Bullshit, baby... Qualquer sessão do UNSC real acontece em seis ou sete línguas. Ele não é mais anglo-saxônico do que o resto da ONU.

Exemplos positivos: organizações regionais, quando simuladas, poderiam sê-lo na língua local. Ok, seria difícil fazer isso com a ASEAN ou a Comunidade de Estados Independentes. Mas a OEA, a CEPAL, o Mercosul e o Parlatino, por exemplo, deveriam ser feitos em espanhol quando possível. Para a UE ou União Africana, vai o inglês mesmo. O francês não era a língua dos diplomatas até 1945? Pois seria fabuloso ver uma Liga das Nações simulada comme il le faut! E um pequeno gabinete do III Reich, para oito ou dez delegados, poderia até ser feito em alemão. Realismo é isso e o resto é resto.

Também se fala alemão na ONU, oras!



Não estou sonhando. Com alguma cautela e um bom planejamento, existe espaço para inventar muito mais. Nas melhores faculdades de RI, pelo menos metade dos alunos possuem um bom nível de espanhol ou francês. Com tantos colégios bilíngues nas capitais e o atual boom dos intercâmbios internacionais, também cresceu muito o número de modelistas fluentes em outras línguas. Essa gente quer treinar e melhorar os idiomas que já fala.

Em particular, comitês em espanhol abririam as portas para delegados do resto do continente. A Argentina, o México e a Venezuela são pólos formidáveis de MUNs, e teriam muitas figurinhas a trocar conosco. Enfim, acredito que a diversidade lingüística pode enriquecer muito a modelagem nacional.

Porém e ao mesmo tempo, devemos evitar o excesso de ambição. Se um modelo for jovem, pequeno e sem pretensões internacionais, voltado para delegados pouco experientes, ele realmente vai precisar de um comitê em inglês? Para quê, para aumentar o status? Não faz sentido. Os meios sempre devem se adaptar aos fins. Se for o caso, vamos de português mesmo, e viva o nosso Brasil varonil!



Espero que os atuais e futuros SGs e diretores pensem com mais carinho sobre este assunto. Afinal, a língua de um homem é seu mundo.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

A Modelândia precisa de VOCÊ!


O blog gostaria de convidar a todos os interessados a postar artigos que enviem sua contribuição pro e-mail correiodiplomatico@gmail.com. Vamos publicá-las, justamente procurando a visão mais abrangente e completa da Modelândia possível.

As regras de submissão são bem simples: O tema precisa ser sobre modelos ou relativo a modelos (pode ser tanto alguma experiência administrativa específica, como um desafio genérico da modelagem, somos ecléticos), não ser longo demais, e agradável de ler.

Não esqueça de incluir o título, e qualquer imagem que você queira colocar junto ao seu post.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Information needs to be WIDE

Saiu ontem na revista época uma matéria muito interessante que trata de simulações. Eu praticamente tropecei na reportagem, não tinha ouvido ninguém comentar - inclusive constatei depois que nem Melina Arantes, a SG do Mini-ONU, sabia de sua existência - o que eu considero um grande trunfo em nosso favor, na mesma medida que é um desafio interessante.

Há pouco mais de uma semana discutíamos aqui a finalidade da simulação: moral ou ciência? Já manifestei minha propensão ao meio termo aristotélico, e esta matéria exemplifica bem o approach que, na minha opinião, devemos tomar. Tomei a liberdade de scanear a página e disponibilizá-la aqui, dê uma olhada.

Além de parte integrante do repertório de qualquer fund-raising de modelo que se preze, essa matéria também deve nos servir de alerta: as pessoas ainda não conhecem o que são os modelos.

Se você prestar atenção ao nosso austero layout, inclui o link de diversos modelos no Brasil, cortesia da UNSP, de onde colei os links na cara-dura. Você vai notar que há modelos em nove estados da federação (SP, MG, RJ, PI, RN, DF, BA, CE, RS), ou seja, um terço do país, isso só em termos de estados. Quando eu comecei a simular, só existiam MONU e AMUN. O crescimento tem sido avassalador, e tende a aumentar. Frise-se que só estão nesta lista modelos com site, alguns como o de Goiás não tem, então não entraram na conta.

Diante deste fato eu me (e lhes) pergunto: o que estamos fazendo pra publicizar de forma eficiente as simulações? Como podemos difundir o hobby? Através das delegações diplomáticas como proposto no ModSim? Enchendo a caixa de e-mails dos editores dos nossos periódicos favoritos com pedidos pra que eles não negligenciem uma das formas mais criativas de se aprender? Se os resultados da simulação são tão bons que falam por si, o que está acontecendo pra essa informação não se espalhar no boca-a-boca?

Isso também impacta na própria natureza das simulações brasileiras. Uma simulação que parte do pressuposto que seus delegados já entendem razoavelmente o que é um modelo (e.g. TEMAS) pode se dar ao luxo de simular comitês mais complexos, além do feijão-com-arroz. Se o conhecer de simulações - meramente de saber que existe, não que todo mundo se torne um aficcionado - se alastrar ao menos no ensino privado, creio que os resultados pra educação brasileira como um todo seriam extremamente positivos. E isso torna a discussão que citei anteriormente da finalidade da simulação um debate caduco, pois se traz um bem considerável pra a sociedade, então a sua função já está cumprida.

A mesa sugere...

Uma moção para minuto de silêncio.

EDIT: atendendo a pedidos, aqui vai o mais famoso poema da história da modelagem brasileira, como uma homenagem póstuma a Pai Boris Nikolayevich!



ODE À MÃE RÚSSIA (TEMAS 2006)

Nas estepes banhadas pelo Volga
Vive um povo de imortal astúcia
Terra de heróis, mares de vodka
Ninguém abandona a Mãe Rússia!

Os pobres salafrários da Geórgia
E os vis terroristas do Kosovo
Não escapam de nossa custódia
Não ludibriam o nosso povo

Para o xadrez, temos Garry Kasparov
Para a guerrilha, coquetel Molotov
Contra a ressaca, caixa de Engov
Contra a Chechênia, um bom Kalashnikov

Do Azerbaijão ao Uzbequistão,
Do Cazaquistão ao Tadjiquistão,
Do Turcomenistão ao Quirguistão,
Somos todos viúvas do Partidão

Somos potentes como um velho Lada,
Robustos como os muros do Kremlin,
Elegantes como a tundra nevada,
E charmosos como a múmia de Lenin!

Na Sibéria você deve ter prudência,
Pela Pátria você deve ter amor,
Yeltsin nos deu a independência
E Putin é nosso dit... presidente democraticamente eleito!

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Be kind and... rewind?

Um comentário de Laura Waisbich na lista de e-mail da UNPO, sobre uma possível repetição da tão peculiar simulação deste órgão, me trouxe um sorriso curioso. Simular a UNPO foi, antes de mais nada, uma prova que todo mundo sempre tem algo a aprender, e acho que todos nós presentes (o que coincidentemente ou não inclui todos os editores deste modeláximo blog) aprendemos a few new tricks. Não me deterei neste ponto por achar que a elaboração e condução sui generis da UNPO merece um post exclusivo.

Como alguns sabem, estive representando a portentosa Nação Dene do Rio Buffalo, uma mega-potência de quase mil pessoas - sendo cento e vinte moradores registrados da reserva. Foi imensamente divertido representar uma nação desse quilate, e repetiria o feito sem pestanejar. Lembrando que o próprio contexto de ironia do comitê tornou tudo ainda mais divertido. Tirar do armário minhas vestes tribais de Dene seria sim, interessante, mesmo que atualmente eu tenha pesquisado mais sobre os Sioux Lakota, outro nobilíssimo povo, mas algumas questões surgem dessa situação inusitada: Como se faz um Modelo vol.2? Claro que existem comitês já tradicionais em todos os modelos. Quem não conhece um rato de UNSC ou Leon que atire a primeira pedra. Mas e um comitê incomum, fora do padrão?

Na UNPO nós aprovamos 17 resoluções e algumas emendas à Carta, o que arrisco dizer que traria consequências extensas no modus operandi da organização. Inclusive, boa parte das discussões estava voltada justamente para otimizar os trabalhos e sanear os buracos institucionais. Fizemos um pacote de medidas que, se postos em prática, provavelmente transformariam a UNPO em algo bem diferente do tradicional. E aí, a gente esquece tudo isso e volta pro UNPO pré-MUNPO? E como justificar a reunião, já que a Assembléia Geral só ocorre de 4 em 4 anos a cada dezoito meses? Vamos simular a UNPO 2010?

Além disso, ainda há a questão das pessoas. É claro que o Dene repetente já iria saber lidar com toda a estrutura, saberia quais delegados estão mais aptos a negociar. Não só você conheceria algumas pessoas (repetindo comitê como você) como a posição diplomática (mesmo dos que mudem, a representação é a mesma), o que, convenhamos, é quite a excellent start. A facilidade com que um delegado chegaria em um comitê assim dizendo "então, como dizíamos ano passado" e enfiar uma agenda na goela de alguém é quase tão irritante quanto podem ser os inúmeros argumentos de autoridade a la César "eu vim, vi e votei".

Esses problemas partem do pressuposto que cada comitê é único e irrepetível. É muito difícil você reunir as mesmas 20 pessoas de um comitê em mais de uma ocasião, quem dirá 40, e pra outra simulação. Simplesmente não acontece. Então o que vai acontecer é ter gente escaldada, e gente nova. É preciso lidar com essa interação. Mas a interação em si não é o problema, ao menso não tão grande qto o citado nos parágrafos anteriores.

Thomaz já tinha sugerido algo desse tipo entre modelos, um UNSC que começasse, digamos, no AMUN, depois fosse feito vol.2 na SOI e vol. 3 no UFRGSMUN, como follow-ups. Isso seria interessante, e é uma perspectiva nova na simulação brasileira, acho que vale a pena tentar um pouco mais de brainstorming a respeito. Da mesma forma, a repetição de uma simulação como a UNPO pode, once again, quebrar paradigmas. Vocês que participaram de grandes simulações de gabinete ou grandes comitês (não em tamanho, mas em qualidade), vocês não gostariam de saber o que teria acontecido? Reunir e tentar continuar o bom trabalho?

Nostalgia ou não, creio ser mais um campo promissor na Modelândia nacional, que, segundo dizem, é das mais criativas e eficientes do mundo. Continuemos assim, crescendo, aprendendo e arriscando! Agora, onde deixei minha túnica Denesuline?

terça-feira, 17 de abril de 2007

Kremlin Model United Nations

Da série "modelando pelo mundo".

Na semana passada participei do maior modelo da Rússia, o MIMUN de Moscou, com 800 delegados espalhados em seis comitês, alguns em inglês e outros em russo. Vi coisas novas. Como nunca ouvi falar de qualquer outro brasileiro simulando a ONU nestas bandas, vou contar o que vi de mais interessante em termos de cultura de modelagem.

- O modelo de Moscou existe há uns 16 anos. Calculem e entenderão o motivo. Nos comitês em inglês, havia uns 50% de delegados estrangeiros, quase todos europeus ou da ex-URSS. O nível acadêmico é muito bom, certamente superior ao WorldMUN de Geneva, mas nada de celestial. O Security Council, no qual eu representei a própria Rússia discutindo Darfur, parecia muito um UNSC de AMUN com toda a vendidagem reunida, como em 2005.


- Em compensação, quem diria? Os russos não são modelistas tão duros. São brilhantes na retórica, argumentam como profissionais, mas não sabem brigar de foice. Para derrubar todo o Bloco Ocidental e levar o caneco de Best Delegate, só precisei das clássicas artimanhas safadas de uma velha raposa, que todos conhecem:
--> citar dez mil resoluções e reports obscuros para confundir os outros e impor autoridade;
--> posar hipocritamente de "moderado", "pragmático" e "consensual", enquanto protegia o governo sudanês;
--> destruir emendas alheias por erros técnicos;
--> pedir (e ignorar!) a opinião de todos os outros delegados na hora de escrever a resolução;
--> manipular um monte de estatísticas;
--> manipular a China;
--> alternar discursos tecnocráticos com falas emocionais em público, além de ameaças de veto em unmod caucus com os P-5.

- As regras são totalmente diferentes! A resolução vem no começo do debate, e não no final. Até o segundo dia (são cinco), o comitê deve ter uma resolução pronta para discutir. O grosso do tempo e da briga envolve o processo de discussão e votação das emendas, que geralmente excedem 30. Não existe working paper (!). As regras precisam ser votadas e aprovadas no começo da sessão. Os delegados podem derrubar as decisões da mesa com uma maioria qualificada. Existe abstenção em moções procedimentais. As draft amendments são expostas em um projetor e nunca impressas e copiadas. Com isto, ganha-se tempo. Ao contrário dos MUNs americanos, a vendidagem russa não valoriza o unmod caucus, que é até mais raro do que no Brasil. O negócio é mandar bala nos discursos formais mesmo, além dos documentos.

- Todos os comitês e tópicos são tradicionais e realistas. Modelagem maluca ou mesmo histórica parece algo extremamente raro na Europa, e por enquanto conheço apenas uma exceção, o HistoMUN de Viena.


- Não existe nenhuma autonomia institucional ou política. O modelo não apenas é oficialmente da faculdade (MGIMO, a principal faculdade russa de RI), mas respondia diretamente ao Ministério das Relações Exteriores e, em última instância, ao próprio Kremlin. Vários senadores, deputados e assessores de Vladimir Putin participaram do evento. Imaginem um modelo organizado e controlado de facto pelo Governo Federal no Brasil!

- Processo de inscrições. Todas eram individuais, sem delegação. O único application era uma ficha pedindo sua experiência em modelos. Uma regra proibia os delegados de representarem seus países de origem - faz sentido. Mas os russos inventaram algo realmente bizarro: para os comitês em double representation, as duplas eram impostas aos delegados, sem nenhuma escolha. Eu dividi a Rússia no UNSC com uma japonesa simpática, experiente, mas meio ingênua e de inglês horroroso.

- Havia atividades paralelas todas as noites, mas eram calmas. Apenas uma festa mais ou menos pesada e um barzinho tranqüilo; de resto, tours por Moscou, filmes e palestras. Tudo, sem exceção, estava incluido na taxa de inscrição de 100 dólares. Os jornaizinhos eram bilíngües, inglês/russo, feitos por estudantes de jornalismo ou RP e muito bem escritos, cheios de ironias.


- Nada de egroups antes ou depois do modelo. Essa deve ser uma invenção brasileira, como a churrascaria rodízio e o buffet por quilo. Também não havia prêmios informais. Em compensação, o clima era extremamente amistoso, e a organização, generosa e hospitaleira. E não é que os moscovitas parecem natalenses?

- Não vi vodka em absolutamente nenhuma sala do modelo, antes, durante ou depois das sessões!! How come?

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Integração de MUNs, o Cálice Sagrado - Parte III

Apontei no último post quais são minhas maiores ressalvas quanto ao projeto do portal de modelos em discussão atualmente. Neste post procurarei dar algumas sugestões minhas e algumas complementações aos comentários que fiz.

Vale dizer uma coisa importante. Eu não sou contra a idéia de fazer um portal de modelos com algum tipo de apoio de uma organização peso-pesado como a que está em discussão. Isso pode ser uma enorme ajuda. Mas acho que há formas e formas de se apresentar isso, e o que busquei apontar foram essas falhas de apresentação do projeto. Um questionamento válido de quem já viu esse projeto é o seguinte: "não podemos fazer isso sozinhos e depois apresentar à organização para que ela apóie depois?".

Considerando que nós não sabemos direito o que nós teremos que oferecer em troca de todas as vantagens que estamos levando nesse projeto, esse questionamento se torna ainda mais válido - afinal, já que não sabemos o que temos que dar em troca, nós podemos simplesmente seguir o caminho de baixo pra cima (que sempre foi o plano original in the first place): nós propomos o que bem entendermos, e pegamos a chancela depois. Mas isso seria incoerente com toda a postura de discussão apresentada até agora nos diálogos da organização com os "líderes" da modelândia. No final das contas, nos encontramos em uma situação estranha, até contraditória, em que somos oferecidos um projeto cujos parâmetros nós definimos - mas se é assim, por que temos que nos ter "oferecido" o projeto para fazer isso? Podemos fazer por conta própria, ué.

O primeiro passo para sair desse stalemate (que, aparentemente, é fruto de um equívoco de comunicação entre a organização e os modeleiros) seria abandonar essa questão dos valores que tanto falei no último post. Um bom diálogo sempre começa com os dialogantes tendo os mesmos pressupostos, e com a organização e os modeleiros tendo as mesmas visões sobre o que são modelos e como eles devem ser divulgados. Colocando modelos como atividades acadêmicas, você trata todos de uma forma igual, através da característica fundamental que une todos debaixo de um mesmo teto. Focar nos valores da ONU, como eu argumentei antes, torna o ambiente desigual. Além disso, esse foco nos valores fortalece, na cabeça de alguns modeleiros, o vínculo institucional que o portal (e, conseqüentemente, os modelos que a ele aderirem) tem com a organização que montou o projeto. Esse é um ponto bem delicado que depende de N fatores que não tocarei aqui agora, mas qualquer medida que reduza essa preocupação (que é a maior fonte de atrito de boa parte da modelândia extrapaulista para com o projeto) ajudará nas conversas.

O segundo passo seria a organização definir, em palavras claras e objetivas, preto no branco, quais são os pontos negociáveis e quais não são negociáveis. Isso foi levantado em uma reunião semana passada com os modeleiros brasileiros, e não saber claramente quais pontos podemos discutir (ou não) deixa todo mundo um pouco inseguro. Não é que não queremos conversar; sem saber sobre o que podemos conversar, não dá para andar com firmeza em direção a um objetivo único.

Com estes principais pontos em mente, será possível avançar nas conversas com mais segurança, e assim chegar aos outros importantes pontos de discussão que o projeto apresenta, e não são poucos - além do portal, tem um monte de coisas que renderiam muitas e muitas discussões com modeleiros. Só que as discussões têm que começar do mesmo ponto de partida.

Bom, acho que já falei demais.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Integração de MUNs, o Cálice Sagrado - Parte II

Eis que no final de 2006 aparece, como um OVNI vindo do espaço, uma nova cara no mundo modelístico nacional. Quer dizer, não tão nova assim (já tinha ligações com o MONU desde 2003 ou 2004, não sei ao certo). Trata-se de uma determinada organização não-governamental (nomes não serão mencionados por mim aqui) com uma idéia: apresentar um portal de modelos turbinado, com troca de contatos e patrocinadores, links, comissões atrás de comissões para deliberar assuntos comuns aos modelos, ligação direta com universidades... Basicamente, um mundo de coisas.

Not surprisingly, os olhos de muita gente brilharam. Se tudo aquilo fosse verdade, seria um imenso avanço em relação às conversas que tínhamos. Contatos, patrocinadores, comissões, oh my! (No projeto original tinha até viagem para Nova York!) Os traços mais importantes do projeto dizem respeito, além da questão do portal, a um nível de integração que nós modeleiros inicialmente jamais concebíamos ter. Contatos diretos com reitores, programa de TV universitária, comissões acadêmicas com professores...

Mas todos nós sabemos que quando a esmola é grande, o santo desconfia. Atualmente, este projeto é discutido Brasil afora, entre modelos paulistas, cariocas, mineiros, potiguares, gaúchos, piauienses, brasilienses, et alii. Há algum tempo não havia tanto bafafá entre os modelos brasileiros sobre um mesmo assunto.

O grande problema do projeto, e é um problema que se reflete em todos os demais pontos importantes dele, é uma questão de filosofia. Os idealizadores deste projeto, não sem alguma razão, vêem modelos e simulações como veículos propagadores de determinados ideais e valores ligados à ONU e ao multilateralismo em geral. Valores como cidadania, ética, diálogo, essas coisas. Todo o projeto gira em torno disso - da consolidação dessa "função social dos modelos" em torno da propagação de valores. (Eu odeio a expressão "função social" de qualquer coisa, mas se aplica neste caso.)

Neste ponto reside minha divergência quase irreconciliável com o projeto. Sou da opinião (radical e profundamente pessoal, não vinculada de forma alguma a qualquer modelo) de que modelos não são veículos de propagação de valores. Modelos e simulações são atividades acadêmicas. Como atividades acadêmicas, o maior objetivo não é fazer com que seus participantes saiam de lá verdadeiros cidadãos. Isso é impossível, e qualquer tentativa nesse sentido seria acompanhada de uma decepção. Essa decisão de se "tornar um cidadão" fica por cargo de cada um que participa. O que nós, como organizadores de modelos, "fornecemos" a quem participa de um evento como esse é um aprendizado neutro - uma forma de aprender com hands-on experience. Às vezes esse hands-on experience compreende assinar uma ordem para bombardear um país neutro em uma guerra - como eu fiz na última simulação que participei, semana passada -, ou promulgar a lei mais repressiva da história brasileira, ou dar a Tchecoslováquia de presente aos nazistas. Quem irá negar que há um aprendizado nisso?

Concomitantemente a isso, não é correto dizer que o nosso intuito em fazer uma simulação seja o de adotar oficialmente valores - o aprendizado está lá, e quem participa disso pode tirar as conclusões que bem entender. A partir da decisão de bombardear um país neutro, por exemplo, você pode tirar tanto a conclusão que era a única coisa sensata a se fazer (ou, em outras palavras, a lição aprendida foi a de que o poder e as circunstâncias ditam muita coisa, independentemente da sua moral); ou você pode achar que sempre poderia ter feito melhor, fazendo aquilo que seria "moralmente correto" (botem aspas nisso), ainda que com sacrifício da verossimilhança da simulação (lição aprendida: nós podemos fazer melhor, ainda que contra a corrente e sob o risco de causar danos maiores).

Repito: os valores não são o modelo que ensina. São os delegados que aprendem da forma que eles descobrirem que os convence. Se eu organizasse a simulação de um organismo X, tendo como resultados o delegado A aprendendo uma coisa e o delegado B aprendendo o completo oposto, considerar-me-ei realizado e minha missão cumprida, pois isso quer dizer que a experiência foi completa. Eu pude fornecer através da simulação os dois lados da questão e dar ao delegado o aprendizado mais completo possível: aquele no qual ele tem a opção de se convencer por aquilo que ele acha mais correto por tais e tais motivos. Qualquer outra coisa não seria educação - seria doutrinação. E nós estamos cansados de ouvir doutrinação desde o colegial. (Eu, pessoalmente, estou.)

Falando em termos práticos, a adoção de um conjunto de valores como o projeto propõe irá causar uma "filtragem" de determinadas simulações em detrimento de outras - por mais que a organização propondo o projeto diga que isso não vai acontecer, é um caminho natural quando há um posicionamento do organizador do sistema.

Imaginem que o projeto seja aprovado, e o portal passe a funcionar amanhã, explicando que a idéia por trás dele é divulgar aos quatro ventos os valores dos MUNs Brasil afora, que ajudam a formar cidadãos conscientes e tudo aquilo que já cansamos de ouvir. Um patrocinador desavisado, ouvindo falar de MUNs pela primeira vez, vê na lista de modelos colaboradores do portal dois modelos: um que simula apenas comitês e organismos da ONU, e outro que simula os comitês mais heterodoxos e malvados da modelândia. O que é mais fácil explicar pro patrocinador: que simular a ONU propaga os valores da ONU explicitados no portal, ou simular a Alemanha nazista propaga os valores da ONU explicitados no portal? Naturalmente, o MUN no sentido restrito do termo leva vantagem nisso. E o outro modelo, menos ortodoxo mas com o mesmo compromisso acadêmico, leva a pior. E com o esperado aumento de contato com patrocinadores, é apenas uma questão estatística até que as simulações da ONU levem vantagem sobre os predominantemente não-ONU.

Tal atitude vai totalmente contra o propósito de integração e expansão da cultura de MUNs no Brasil. A idéia é termos mais modelos, mais variedade, e não o contrário. E todo esse imbróglio parte de um "simples" erro de filosofia, de tratamento do fenômeno dos modelos.

Quais são as opções, então? Tratarei disso no próximo post.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Integração de MUNs, o Cálice Sagrado - Parte I

Desde que a cultura dos MUNs brasileiros começou a se expandir e se consolidar para além dos centros BSB-SP, lá pelos idos de 2002 e 2003, há diálogos entre os coordenadores de modelos Brasil afora sobre uma forma de integrar os modelos, através da troca de contatos úteis, divulgação conjunta, entre outros, tudo com o objetivo de transformar os modelos em uma atividade acadêmica mainstream, por assim dizer, e obter o reconhecimento de muitas universidades para o fomento da prática.

Esse desejo de integração se manifesta de algumas maneiras. A primeira, mais concreta, é a iniciativa (excelente) do AMUN e do UFRGSMUN, desde o ano passado, de adotarem regras de procedimento iguais para simulações de comitês da Assembléia Geral da ONU e do Conselho de Segurança. Essa iniciativa continuará em 2007, possivelmente até com mais um ou outro modelo grande aderindo ao projeto, e com mais alguns anos de aperfeiçoamento poderá ser o guia de regras de debate brasileiro para todos os MUNs com comitês semelhantes.

A segunda maneira, mais abrangente e mais importante para os propósitos deste post, é a criação de uma espécie de portal de modelos, que congregaria em seu site todas as informações necessárias para se descobrir qual é o MUN mais perto da sua casa, datas, links e um fórum de discussão. Seria um centro de serviços para os modelfreaks e também para aqueles que quisessem conhecer mais sobre o maravilhoso mundo da modelândia (MMM?).

Embora a idéia do site unificado seja antiga (ao que me consta, começou a ser discutida em 2004), ela ainda não se concretizou. Isso se dá por uma série de motivos - aposentadoria de alguns modeleiros, o diálogo intermitente (afinal, ainda dependíamos do comparecimento de determinados modeleiros mais assíduos para que a idéia caminhasse), problemas estruturais de modelos... No final da história, o mais próximo que chegamos desse site original é a existência de um e-group com os coordenadores de modelos Brasil afora (o ModSim) e uma comunidade no orkut com o mesmo propósito.

Ainda que tenhamos muitas boas intenções, em termos de integração e diálogo entre modelos ainda estamos engatinhando. Muitos dos contatos se dão por meio de amizades entre os modeleiros de longa data que acabam se tornando SecGens em seus respectivos estados. Como a atividade dos MUNs ainda está mais ligada ao pessoal de RI e Direito Brasil afora, os grupinhos, quando não formados sempre pelas mesmas pessoas, acabam tendo um grau de afinidade maior. Dessa forma os modelos acabam tendo vínculos mais efêmeros do que teriam se as coisas fossem feitas institucionalmente. Por outro lado, a existência de laços de amizade sempre garantia que, mesmo que as coisas andassem devagar, sempre haveria alguma forma de entrar em contato com os demais estados através dos amigos.

A institucionalização dos modelos ao redor do Brasil acabou engessando um pouco a margem de manobra de alguns modelos. Qualquer decisão mais séria teria que ser tomada não apenas pelo secretariado, mas pelo departamento ou professor-coordenador que supervisiona o modelo. Os diálogos ficaram um pouco mais lentos...

... Até o final de 2006.

(Continua em breve, para não ficar cansativo.)

Oscar nos Modelos?



5-point-palm-hand-technique do TEMAS. Espetacular!

segunda-feira, 9 de abril de 2007

O dilema da História

Todos os integrantes deste blog, em determinado(s) momento(s) de suas carreiras em modelos e simulações, participaram de uma simulação histórica. Seja o Conselho de Segurança da ONU, o Congresso de Westphalia, a Conferência de Bandung ou qualquer outro organismo intergovernamental ou não, simulações históricas são bastante recorrentes, sendo um crowd favorite aqui no Brasil (tanto que há dois modelos grandes centrados nisso).

Toda simulação histórica, no entanto, padece de um grande dilema. Naturalmente, a idéia de uma simulação pressupõe que, ainda que com as devidas licenças poéticas necessárias para se conduzir uma simulação, as coisas devem correr da forma mais realista possível. Por realismo incluem-se no pacote a criação de todo um ambiente político externo ao organismo sendo simulado, a representação de personalidades, políticas e cargos, cada qual com seus interesses e traços de personalidade. A palavra-chave nessas horas é ambientação.

Durante a simulação nós estaremos recriando a história. Como o futuro não está definido ainda, as decisões que tomarmos são o que definirão o que acontecerá nos próximos dias. As decisões tomadas têm conseqüências (algo ainda mais evidente em simulações estilo gabinete). Mas é possível mudar a história?

Por um lado, a revisão da história, tomando um rumo diferente do que de fato aconteceu, dá uma sensação similar à de superioridade. "Eu fiz melhor que o Fulano, e não matei um monte de gente pra ter o que eu queria." Também dá mais objetivo à simulação, já que os delegados ficam um pouco mais animados com a possibilidade de mudar algo que não deu certo.

Mas por outro lado, isso só ocorre com um sacrifício do realismo. Afinal, o realismo da simulação também inclui todos os constraints que os personagens da reunião tinham quando fizeram suas decisões. É a decisão com peso na consciência, e isso acontece sempre - "quero fazer X, mas as circunstâncias só me permitem Y".

O que é mais proveitoso para os delegados? Reviver a história ou refazer a história? Pessoalmente, sou partidário da primeira opção. É uma opção mais segura, e é o que realmente dá qualidade acadêmica à simulação. Mas em termos de diversão pura, talvez a segunda seja seja mais proveitosa.

Mas isso é uma questão que depende de modeleiro pra modeleiro.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Nitroglicerina Pura



Uma enquete e desafio: o que você faria no lugar do Presidente da Mesa? Teria interrompido o discurso no meio? Mandaria chutar o cidadão da sala? Ou aplaudiria? (lembrando que você - em tese - trabalha e acredita na organização.)

Mas aparte disso, a verdade deve doer pra caramba...

O começo de tudo

Nada me parece mais apropriado para começar um blog sobre modelos do que falar sobre o começo, não do blog, mas de modelos. Existem alguns preconceitos sobre simulações que se tornam especialmente danosos atualmente, em que vários modelos se encontram em grave déficit de renovação. A renovação - fazer novo - requer um pouco do mesmo espírito que fez tudo da primeira vez.

Misconception #1: Grandes modelos surgem com grande ajuda de universidades e professores.

The real thing: Na modelolândia chega a ser um costume pitoresco como cada modelo acha que o outro sim, que é bem assessorado, o que, via de regra, é um engano danado. A maioria dos modelos do Brasil surgiu de alunos - provavelmente desocupados ou empreendedores, ou ambos - que viram a experiência sendo realizada fora e resolveram imitar. De uma forma ou de outra, os modelos nascem, por definição, dos alunos. Lição: Um punhado de amigos geralmente faz tudo acontecer.

Misconception #2: Os dinossauros são insuperáveis.


The real thing: Casarões me defenda! Na verdade, se formos analisar de uma forma mais ou menos séria - se for sério demais fica chato - na verdade chances are que os modelistas hoje sejam bem melhores. A proliferação dos modelos secundaristas, a própria "profissionalização" dos munners... há cinco anos existiam menos de cinco modelos no Brasil, hoje você precia ir pro Acre pra achar um estado sem.

Misconception #3: Qualquer coisa pode ser simulada.

Na verdade poder até pode, mas essa é uma pergunta capciosa. Se até o churrascão do Lula pode ser simulado, existem os critérios do que DEVE ser simulado e COMO pode ser simulado. Isso é particularmente interessante, já que todo modeleiro já viu um comitê sem-noção, discutindo um tema mal-delimitado em um fórum inadequado.

Misconception #4: Organizar um modelo é muito caro.

Organizar modelo pode custar 10 reais (meu orçamento pro I Chalé Potiguar) ou custar alguns milhões (comenta-se à boca pequena que o orçamento do WorldMun é maior que o de algumas representações. O do MONU mesmo é maior que minha querida Nação Dene do Rio Buffalo). Depende do gosto do freguês, ou melhor, do empreendedor. Óbvio que com um orçamento de 4 dígitos seu modelo não vai ser um AMUN, mas com os devidos acordos e contatos, pode até render muito mais (parcerias com centros de convenções ou hotéis, por exemplo), poupando inclusive seus delegados de modelarem em mesas de tênis de mesa.

Misconception #5: Fazer modelo é difícil.

O grande baluarte da ética brasileira, Roberto Jefferson, certa vez fez um breve relato sobre seu insigne pai. Dizia que seu progenitor era dono de uma retórica invejável, discursando em veros. Certa feita perguntaram-lhe "Como eu faço pra falar assim como o senhor, discursando em versinhos?". Ele respondeu de pronto: "Não tem lição. Ou é fácil ou não é." Da mesma forma, é com simulação. Ou é algo que você faz com gosto, ou não. Claro que pode ser deveras complicado, demorado e trabalhoso - e geralmente o é - mas é fácil. Difícil é que não é.

Sinta-se livre para comentar e adicionar. Ou até fazer seu próprio modelo, é sempre uma boa hora pra (re)começar.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

We do it better

Como bons terceiromundistas, os brasileiros tendem a reverenciar e/ou imitar quase tudo o que vem do Grande Norte. Afinal, é necessário que alguns sejam caipiras para que os outros sejam cosmopolitas.

Mas não estou repetindo clichês sobre música pop, nomes de condomínio ou marcas de barbeador. Estou falando estritamente de modelos da ONU. Como a primeira simulação nacional (AMUN 98) aconteceu há menos de uma década, e 75% de nossos modelos possuem menos de cinco anos de vida, pensamos instintivamente que ainda estamos no começo da estrada de tijolos amarelos, e que nos resta muito a aprender e entender.

Bobagem.

Recentemente eu me aposentei das simulações brasileiras para engatar uma carreira na Europa, e semana que vem parto pro meu quarto modelo nestas bandas, o MIMUN de Moscou. Até agora, não vi nada que me impressionasse, a não ser a logística profissional do Harvard WorldMUN. Mas isso também existe em congressos de estudantes de medicina. Um MUN não é apenas um evento grande.

O nível acadêmico, o realismo da simulação, o grau de decoro, o espírito de cooperação, a autoridade dos diretores, o teatrinho retórico, a capacidade de tomar decisões sob pressão, o conhecimento das organizações internacionais... Tudo isso, grosso modo, está faltando no hemisfério norte. De alguma maneira, os modelos brasileiros conseguiram se afirmar entre os melhores do mundo em um período extraordinariamente curto de tempo. Claro que existem enormes exceções, e qualquer modelista com alguma idade consegue se lembrar de pelo menos dois ou três comitês fracassados. Mas a tendência geral é muito positiva.

Qual o segredo do aparente sucesso do Brasil? Comitês pequenos, como Assembléias Gerais com 60 pessoas e não 200? Tópicos corajosos, à la TEMAS e SiEM? Teimosia? Feitiçaria? Tecnologia?

Não. O que nos separa dos modelos europeus e (principalmente) americanos é a origem de nossos delegados. 90% dos modelistas brasileiros fazem Direito ou RI. Quando muito, Economia/Administração ou Comunicação. Nos Estados Unidos, é comum encontrar SecGens e diretores estudando Biologia, Matemática ou Química. Isto existe no Brasil, mas é quase exótico.

Além disso, em Pindorama praticamente não existe competição para os modelos da ONU. Lá fora, um potencial modelista também poderia gastar seu tempo livre em campeonatos de oratória, associações estudantis de todos os tipos, viagens acadêmicas e outros eventos ligados a seu campo de estudos. No Brasil, falta opção. Os centros acadêmicos raramente são sérios e ativos. O ENERI é uma grande balada. Pode-se fazer iniciação científica ou estágio, mas isso não mata a sede de modelagem. A única atividade extracurricular que realmente concorre com os modelos é o Jessup, mas pouca gente participa.

A conseqüência disso tudo é que as simulações ficam restritas a um grupo pequeno de estudantes no Brasil. Surgiu uma tropa de choque de modelistas nacionais, estudantes de RI e Direito que respiram modelos, conhecem uns aos outros e não raro namoram entre si. São 200 pessoas em um país de quase 200 milhões. Essa gente se especializa no assunto, organiza simulações locais, ensina a vendidagem aos modelistas mais novos e, sem perceber, faz com que os MUNs brasileiros sejam mais exigentes, intensos e realistas - mas também mais elitistas - do que na Europa e nos Estados Unidos.

Para variar, nosso ponto forte é também nossa maior fraqueza.

(para exemplos mais concretos ou historinhas mais divertidas, leiam os relatos do WorldMUN de Genebra feitos pelo Pereira ou por mim)

domingo, 1 de abril de 2007



















SIMULAÇÕES E JOGOS DE TABULEIRO
- Cedê Silva

LEMBRO DE CONVERSA que tive uma vez - conversa que incluía dois modeleiros jurrásicos - sobre semelhanças (e diferenças) entre modelos e RPGs. Meu argumento era, e permanece sendo, de que simulações são, 140%, RPGs no formato live action, no qual os jogadores têm poderes bastante semelhantes aos de seus personagens. Ademais, a Mesa Diretora de um comitê tem a exata função de Dungeon Master, pois é ela que arbitra o que acontece e o que não acontece no universo da simulação.

A Mesa introduz crises. Não é exatamente o que um Mestre de RPG faz, ao criar desafios para serem superados pelos jogadores?

Quando existe alguma dúvida ou disputa sobre um fato, um número, uma estatística ou uma possiblidade, é sempre da Mesa a palavra final sobre o que realmente é verdadeiro ou plausível - incluindo a possiblidade de dizer "não sabemos" ou "isso não importa para a Resolução que vocês devem produzir".

Meu entendimento é fundamentalista e teimoso, mas não consigo exergar de outro jeito: para negar que modelos e RPG são exatamenta a mesma atividade, você precisa conhecer mal um deles, ou ambos. Um entendimento mínimo e claro dos dois leva à inevitável conclusão: são a mesmíssima coisa. Um Mestre que cria o universo e oferece os desafios; jogadores que assumem papéis; à medida que o jogo se desenrola, o Mestre arbitra disputas e decide as conseqüências do que os jogadores fazem, bem como introduz quaisquer impactos externos.

Finalmente, apenas o Mestre pode decidir sobre eventos externos: um delegado não tem autoridade para dizer que o Chefe de Governo dele disse isso ou aquilo sem consultar a Mesa.
Assim, apesar da atividade ser inter-subjetiva, existe um só Leviatã capaz de administrar o mundo externo às paredes do comitê.

GABINETES - Em nenhum outro setor do universo modeleiro isso é tão claro quanto nos gabinetes. Um gabinete poderia ser formado unicamente por jogadores de RPG live action e simulado sem que nenhum deles jamais tivesse ouvido falar de MUNs.

Na semana passada fui Diretor-Assistente de um gabinete, no Colégio Militar de Belo Horizonte. Simulamos o Reichskabinet em 1941: travamos guerra com Iugoslávia, Grécia, e finalmente União Soviética.

O que nunca saiu da minha cabeça durante os quatro dias de simulação foi o quanto ela poderia ter sido mais produtiva, mais didática e - sim, até mais realista - se em vez dos mapões burocráticos, "mundo real" que usamos, tivéssemos usado um tabuleiro do jogo Axis & Allies: Europe.



O tabuleiro tem os comboios, que nossos submarinos poderiam se dedicar a afundar. Ademais, a presença física das unidades navais e aéreas teria dado susbstância aos discursos de nossos ministros e comandantes, que clamavam constantemente que a Luftwaffe e a Kriegsmarine estavam "em frangalhos".

Tínhamos uma delegação muito boa do Reichsbank (banco centraalll! banco centraaaaal!), que alertava sobre os custos de operações militares e sobre como o estado de nossa marinha prejudicava nosso comércio. Se a gente jogasse o jogo durante o gabinete, isso teria ganho toda uma nova dimensão, já que o jogo têm dinheiro (como Banco Imobiliário). Poderíamos ter disputas sobre o orçamento a cada rodada, com os ministros do Banco Central querendo preservar o dinheiro, e os comandantes de cada Estado-Maior querendo dinheiro para seu contingente de forças (Heer, Kriegsmarine, Luftwaffe). Uma dinâmica muito interessante, que deve ser experimentada talvez nas simulações do 5º Comitê.

Nós modeleiros às vezes nos levamos a sério demais, e acabamos perdendo a possibilidade de explorar dinâmicas muito interessantes. Perdas de tropas em gabinetes são simplesmente estimadas pelos Diretores, quando poderiam ser bacanamente decididas por um rolar de dados. Como achamos muito complicada a gestão financeira de um gabinete de verdade, jogamos fora essa dinâmica, em vez de explorá-la com dinheiro de mentirinha.

Talvez a nova fronteira dos modelos seja interagir com outros hobbies. Uma simulação de uma casa-grande feita numa fazenda; uma simulação do Talibã feita nessas viagens de aventura, em cavernas; uma simulação do gabinete do Saladino feita nas dunas de Natal. Mas antes desses empreendimentos ambiciosos, natural começar por atividades mais próximas aos modelos: RPGs e jogos de tabuleiro.

Draft Post

Criamos um fundo para auxiliar a produção deste blog.