domingo, 29 de abril de 2007

A Babel da Modelagem

Eis um assunto crucial para a modelagem, embora subestimado. O que um modeleiro deve considerar na hora de escolher a(s) língua(s) de sua simulação?


De uns três anos para cá, a onda é o modelo misto português-inglês, o equivalente modelístico do bar-balada. Simulações apenas em português continuam comuns, pois existe muito mercado pra isso. Modelos exclusivamente em inglês estão rareando. De cabeça, calculo que uns 40% dos MUNs brasileiros são lusófonos, 40% são linguisticamente mistos e menos de 20% são English-speaking only. Ocasionalmente aparece algum comitê em espanhol, mas é "exótico". Nunca vi nada em outros idiomas no Brasil.

Curta comparação. Na Europa, que tem o mesmo tamanho do Brasil e o triplo da população, o inglês atropelou todos os concorrentes e se impôs como a lingua franca da modelagem. Raros são os comitês simulados em alemão, espanhol ou mesmo francês (quero mudar isto pra 2008).

As respostas mais freqüentes à pergunta do primeiro parágrafo são mais ou menos assim:

- "Comitês em português são obviamente mais acessíveis. Eles permitem que os delegados se expressem com maior desenvoltura e melhor vocabulário, mas fecham as portas para 95% dos estrangeiros e deixam tudo mais informal, mais familiar."

- "Comitês em inglês são um pouco mais elitistas. Eles permitem a participação de estrangeiros - mas isso na prática é raro, mesmo no AMUN - e recriam com mais profissionalismo a atmosfera da ONU. A obrigação de falar outra língua reforça a atmosfera de role-playing, mas dificulta o acesso para quem tem inglês fraco."

- "Comitê em qualquer outra língua é coisa de doido. Difícil arranjar delegado."

Tudo isso é lugar comum para modeleiros e modelistas. Agora vamos um pouco mais longe.

Defendo mais flexibilidade e mais ousadia. Assim como a escolha do tópico e a elaboração da country list devem se adaptar às políticas do modelo, aos interesses acadêmicos dos diretores e ao perfil dos delegados, a escolha da língua deve seguir os mesmos critérios. Querem um exemplo negativo? Quem disse que o único comitê em inglês de um modelo misto precisa ser automaticamente o Conselho de Segurança, ops, Security Council? Bullshit, baby... Qualquer sessão do UNSC real acontece em seis ou sete línguas. Ele não é mais anglo-saxônico do que o resto da ONU.

Exemplos positivos: organizações regionais, quando simuladas, poderiam sê-lo na língua local. Ok, seria difícil fazer isso com a ASEAN ou a Comunidade de Estados Independentes. Mas a OEA, a CEPAL, o Mercosul e o Parlatino, por exemplo, deveriam ser feitos em espanhol quando possível. Para a UE ou União Africana, vai o inglês mesmo. O francês não era a língua dos diplomatas até 1945? Pois seria fabuloso ver uma Liga das Nações simulada comme il le faut! E um pequeno gabinete do III Reich, para oito ou dez delegados, poderia até ser feito em alemão. Realismo é isso e o resto é resto.

Também se fala alemão na ONU, oras!



Não estou sonhando. Com alguma cautela e um bom planejamento, existe espaço para inventar muito mais. Nas melhores faculdades de RI, pelo menos metade dos alunos possuem um bom nível de espanhol ou francês. Com tantos colégios bilíngues nas capitais e o atual boom dos intercâmbios internacionais, também cresceu muito o número de modelistas fluentes em outras línguas. Essa gente quer treinar e melhorar os idiomas que já fala.

Em particular, comitês em espanhol abririam as portas para delegados do resto do continente. A Argentina, o México e a Venezuela são pólos formidáveis de MUNs, e teriam muitas figurinhas a trocar conosco. Enfim, acredito que a diversidade lingüística pode enriquecer muito a modelagem nacional.

Porém e ao mesmo tempo, devemos evitar o excesso de ambição. Se um modelo for jovem, pequeno e sem pretensões internacionais, voltado para delegados pouco experientes, ele realmente vai precisar de um comitê em inglês? Para quê, para aumentar o status? Não faz sentido. Os meios sempre devem se adaptar aos fins. Se for o caso, vamos de português mesmo, e viva o nosso Brasil varonil!



Espero que os atuais e futuros SGs e diretores pensem com mais carinho sobre este assunto. Afinal, a língua de um homem é seu mundo.

13 comentários:

  1. Essa é uma temática em que eu tenho particularmente *muito* interesse.

    Aqui na SOI eu sou um profundo defensor do Português. Tanto quanto eu não gosto de simular o UNSC, mas isso já são outros quinhentos. Então pra mim, simular o UNSC em inglês é despropositado.

    Nesse sentido, dois argumentos relevantes:

    A) SOI NÃO recebe estrangeiros. NÃO e pronto. Geograficamente, os estrangeiros mais próximos de nós são os africanos e os portugueses, e a distância é proibitiva. Não tem estrangeiros e nem virão, a julgar pela opinio juris dos últimos secretariados.

    B) As pessoas em Natal não possui profundidade no conhecimento de idiomas estrangeiros como as pessoas do sudeste, simplesmente por não ter pra quê usar. Não somos uma cidade globalizada assim - até somos, vive cheio de estrangeiros, mas eles não interagem com a "população normal". Mais que isso, a SOI é restrita dentro da própria restrição. Não consegue nem angariar participantes de outros cursos, quem dirá com outros idiomas.

    Dados esses dois pontos, não me convenço da utilidade de simular em um idioma estrangeiro. Se não temos delegados qualificados nem propostas inovadoras, simular em outro idioma é um diletantismo que não acrescenta em nada à simulação.

    Existe o argumento que simular em outro idioma que não a sua lingua nativa ajuda a manter o "clima". Se esse argumento for tido como válido, ele choca frontalmente com a constatação que most of the delegates feel uneasy of limited by the new language of debate.

    Não que um argumento não possa se sobrepor ao outro - em se percebendo que é bem mais vantajoso o lucro, vale à pena pagar o custo - mas o que quero destacar é que eles não são soberanos. Simular em outros idiomas não é intrinsicamente bom. É algo que PODE ser bom se for bem aproveitado e tiver uma boa intenção.

    Simular em inglês só pra parecer mais real, então prefiro simular em francês. Do mesmo jeito, se é pra parecer sério, melhor simular em alemão, mais uma língua oficial da ONU. Mas como elas não são acessíveis pra a ampla maioria dos delegados, o Português ainda me parece a melhor opção, já que restringe bem menos que o português e nos livra de grandes dissabores administrativos oriundos da própria natureza bilingue do modelo.

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  2. Em tempo: Não sou contra simulação em outros idiomas. Só não é o nosso caso.

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  3. Eu confesso que pessoalmente estou vivendo o meio desse processo. O UN-SP tem dois comitês em inglês e dois em português. As dificuldades administrativas são muitas, mas não conseguimos recuar para o português nem avançar para o inglês. Talvez com o tempo nosso público decida-se por um ou outro lado, mas a realidade é que temos delegados que só simulam em inglês e delegados que só o fazem em português. Gostei das ponderações do Wagner. Não há opção de idioma melhor do que a escolhida pelo seu público participante.
    Eu vejo realmente pessoas que poderiam discutir em francês ou alemão traquilamente, a questão é que não são todas as pessoas que tem fluência nesses idiomas que se interessam por modelos. Não somos unanimidade, os modelos possuem pouco apoio institucional de suas próprias faculdades. E em meio aos trocentos grupos de extensão de cada faculdade, somos sempre mais um.

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  4. só algumas correções:

    *As pessoas em natal não POSSUEM
    *uneasy OR limited
    *alemão OU mais uma língua oficial da ONU

    :P

    sorry 'bout that, foi a pressa.

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  5. Na verdade o alemão não é um idioma oficial da ONU, embora seja usado freqüentemente nos debates. Digamos que em 1945 não pegava muito bem usar a língua do Emo Adolf na diplomacia. Oficiais são apenas estas 6: en, fr (working languages), ru, cn, ar e es. Nem português nem alemão.

    Todas as outras línguas estrangeiras além do inglês são minoritárias entre os modelistas, isso é fato. Mas não são insignificantes, pelo menos no Sudeste. Praticamente metade dos modeleiros atuais da PUC-SP já estudaram, estão estudando ou pretendem estudar na França ou na Argentina, ou mais raramente na Alemanha. Em RI-USP é quase isso. Imagino que haja proporções semelhantes na PUC-Rio, UnB e PUC-Minas, por exemplo. Por isso creio que já existe a possibilidade de tentar idiomas novos.

    Naturalmente, isso não deve ser feito como brincadeira. O SG precisa ver as conseqüências logísticas e acadêmicas, e a mudança de idioma precisa ser coerente com o projeto do comitê. Mas é possível, senhores, é possível...

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  6. na errata eu quis dizer isso, que eu lembro que alemão não é língua oficial ;P

    mas vamo lá, não seria muito bizarro ver uma simulação em árabe?

    agora, uma coisa que eu ainda quero fazer um dia, é uma simulação com intérpretes. Citando SILVA, Frederico "Cedê", "nó, seria muito doido!"

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  7. Pois eu já vi isso. Cerimônias de abertura e encerramento do MIMUN de Moscou, meu caro!

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  8. O uso de intérpretes pode ser uma boa p/ incluir o pessoal dos cursos de Letras no mundo dos modelos. Muitas vezes, pessoas de outros cursos perguntam como a experiência valeria p/ elas - e a maioria sempre quer algo específico, como o Comitê de Imprensa pro pessoal de comunicação ou simulação de tribunais pro pessoal de Direito, por exemplo. Interesse p/ participar às vezes existe (apesar de mínimo, em alguns casos), mas p/ ajudar a organizar ... até mesmo a atividade específica, nemmmmm.

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  9. EXCELENTE sugestão da Carla. Partiu! A gente inclui a moçada de Letras e AINDA poe a Nicole Kidman nos modelos!

    2) bom tópico, Napozêra. Agora, é esperar alguem fazer o primeiro comitê do Brasil que não seja port, ing ou esp.

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  10. é importante ressaltar que MESMO ESPANHOL ainda é uma área inexplorada. Salvo o MINI, e meia dúzia de comitês do AMUN, o Espanhol ainda é off-charts.

    E aí surge mais uma parceria comercial possível: escolas de idiomas. Qual é a escola que não gostaria de ter um teste desse pros seus alunos?

    Problema resultante: Geralmente debates assim exigem um conhecimento aprofundado do idioma, especialmente em questões técnicas.

    Solução possível: Intérpretes. Você teria o aluno ouvindo no idioma que ele quer aprender, se familiarizando com o idioma, e tirando dúvidas na tradução simultânea. Talvez discursos-chave (como discursos de abertura, por exemplo) que pudessem ser disponibilizados por escrito também fossem uma boa alternativa.

    Sobre isso, distribuir discurso, existe uma (das infinitas) anedotas de De Gaulle no Brasil. Dizem que antes de proferir seu discurso no congresso, ele pedu que circulassem seu discurso por escrito. E era um orador tão bom, tão bom, que metade do plenário chorou com sua interpretação inflamada e dramática. Será que isso aconteceria conosco? Ou distribuir discursos antes geraria uma onda de tédio?

    (Suponho que ninguém acredite que seria uma idéia ruim distribuir depois, só que talvez fosse um pesadelo logístico)

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  11. Prefiro em inglês pela mui pessoal razão de que diplomatiquês é horrível :P
    E tb pelo fato de que, para a maioria dos comitês, os documentos e textos de referência estão em inglês. Além de ser uma chatice traduzir, a linguagem do comitê vira diplomatiquês-anglicista, o que é o pior dos mundos!

    Mesmo assim, me convida para a Liga das Nações em francês!

    bjs

    PS - bar balada... hahahahahah!

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  12. Acho válido...

    Infelizmente não tenho esse conhecimento todo, mas sei que é possível....

    Apesar de ter passado dificuldades para tentar montar um comitê em espanhol a uns 3 anos atrás....acho que hoje temos uma realidade um pouco mais sólida para se tentar algo do gênero...

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  13. Eu sou totalmente a favor de um comite de lingua estrangeira.Principalmente o frances.

    Estimula as pessoas a fazerem outras linguas e conhecer ainda mais outras culturas.

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