segunda-feira, 16 de julho de 2007

Entrevista: Juliana Bessa


Ela estuda REL na UnB. Ela é fotógrafa. "JB" são suas poderosas iniciais. Ela fala "modeleiro". E - ah, ela também faz às vezes de Ban Ki-moon no mais aguardado modelo brasileiro de todos os tempos, que celebra os dez anos do hobby no Brasil. Hobby, micareta de nerds, atividade de extensão - como queira.

Juliana Bessa me encontra no MSN numa noite de segunda-feira. De Brasília, a Secretária-Geral do XAMUN fala sobre o evento, mitos modeleiros, novas gerações, e o One Decade Project, ambicioso projeto de historiografia da simulação brasileira.

Cedê Silva:
Juliana, este é o modelo mais antecipado de todos os tempos no Brasil. Pesa nos ombros? Rola um fardo?
Juliana Bessa: Antecipado?


Cedê Silva
:
Aguardado. Perdoe o anglicismo.
Juliana Bessa:
Organizar o AMUN por si só já é uma grande responsabilidade. O evento tem características que já estão consolidadas, e mesmo com as dificuldades que surgem todos os anos, nós, do staff, temos que torcer o pepino para conseguir manter o nível acadêmico e administrativo de sempre. Sobre ser do 10º AMUN e sobre a minha visão pessoal da responsabilidade disso: eu diria que o décimo será modesto como foi o primeiro. Isso porque há dificuldades estruturais muito grandes, mas toda a equipe está comprometida com os detalhes, com abusar da criatividade e fazer milagres. Quanto a ser um fardo, acho que sentimos a pressão quando não conseguimos dormir pensando nos problemas (risos).

CS:
Modesto? No Grand Bittar?

JB: Não será no Grand Bittar.

CS: Ah é? Onde serão os comitês?

JB: Houve uma demora na definição do venue, porque esperávamos o resultado do edital do CNPQ - que por sinal ainda não saiu e deveria ter sido divulgado em maio. Sem o dinheiro do CNPQ, a saída foi pensar em locais alternativos. Os chefes de delegação devem receber notícias ainda hoje (N.E.: segunda) sobre o assunto. Como houve reclamação do preço do hotel e não faremos mais os comitês no Grand Bittar, mudamos o hotel e finalmente divulgaremos o local do evento.

CS: Entendo.

JB: "A pedidos"....os delegados terão um novo hotel.
Mas não tão novo quanto o Grand Bittar.

CS: Você falou em "torcer o pepino para conseguir manter o nível de sempre." Fala-se muito em "gerações" ou "safras" mais fracas que as anteriores, que se interessam menos por modelos. Isso acontece mesmo?

JB: Tenho duas explicações para essa dificuldade e não sei qual delas ou se apenas uma delas explicaria bem o desafio atual em se organizar modelos. Uma:
existiria um gap de gerações, um momento em que os alunos/delegados estão altamente envolvidos com modelos, que é seguido de novos estudantes que não conseguem absorver essa cultura. Fala-se muito de como estimular essa nova geração. Enquanto outros afirmam que essa nova geração arrumou outra coisa pra fazer, pensa Relações Internacionais de forma diferente e não se interessa mais por modelos. E que dessa forma, deveria se pensar se tal modelo deveria ou não continuar existindo. Bem, o gap, na minha opinião, existe, mas lidar com ele é complicado. Acho que o movimento de reavivamento da cultura de modelo tem que vir de dentro, de algum estudante novo que se empolgue e comece a empolgar os outros da mesma geração e que organize grandes delegações, etc. E isso parece obedecer fases: as instituições mais tradicionais têm essa dificuldade geracional, enquanto instituições novas parecem ter mais facilidade.

CS: Os estudantes novos não conseguem absorver porque os modeleiros empolgados são uma panelinha? Ou simplesmente porque é dificil haver uma longa sucessão de empolgados?

JB: Hoje, pelo menos na UnB, as pessoas não convivem com essa idéia de panelinha.
De qualquer forma, há um dificuldade de interação entre duas gerações, algo que eu considero natural, e que talvez possa ser visto como panelinha - grupo dos experientes, dos envolvidos no assunto; contra um grupo de iniciantes que talvez não se sintam tão estimulados a tomar aquilo pra si (aquilo = a ideia de modelo = organização de um) .

CS: Mas foi assim, por exemplo, na transição do 1º AMUN pro 2º? Do 5º pro 6º?
JB:
Ao investigar as organizações das edições do AMUN - culpa do projeto memória (N.E: One Decade Project, iniciativa do staff do XAMUN para coletar a história dos modelos no Brasil) - percebi a quantidade de nomes repetidos. A Marina, que foi secretária-geral, participou também de mais outros 5 AMUNs; assim como o Raphael, que já tinha sido under-secretary, secretário administrativo e foi depois SG. [Então] não houve dificuldade na transição, porque dentro da organização de uma edição já estavam os organizadores do próximo e do próximo. Quando o modelo está bastante integrado e tem um staff de todos os níveis geracionais talvez seja mais fácil passar o bastão.

CS: O problema ocorre só em certos momentos de mais atrito institucional, e/ou dependendo do sucesso do modelo naquele ano? Esse papo de "geração menos inspirada" não cola?

JB: Definitivamente não é caso de inspiração... aliás nem de expiraçã
o. Posso falar pela UnB. O que vejo que aconteceu foi um gap, uma geração que envelheceu na organização do modelo, ao mesmo tempo em que apareceram semestres que priorizaram outras atividades na universidade. Com isso a cultura de modelos ficou interrompida.

CS: Não dedicaram horas-calouros para adubar a nova geração?

JB: Geração inspirada... enfim, as gerações que se seguiram podem ter sido inspiradas para fazer PIBIC, para entrar em movimentos estudantis .... essas coisas. Não adianta um aluno do 6º semestre chegar pra um grupo de calouros e falar, "ei ei, vamos pro TEMAS!". Acho que eles teriam que ver grupos do segundo, terceiro e quarto se organizando pra ir; e pensarem eles mesmos em se organizarem. A cultura só surge quando contagia um grupo; e não quando é algo pingado e pouco contínuo.

CS: Na PUC-Minas nós temos nossos mitos fundadores, nossos Founding Fathers. As pessoas podem nao saber direito, mas já ouviram certos nomes, certas histórias.
Como é isso na UnB? Afinal, voces têm a mais longa história. Os mais jovens membros do staff do XAMUN sabem quem é a Marina? Abrantes? etc.
JB: Não sabem.


CS: Existe modelo sem esse legado, sem os mitos? Não apenas as pessoas... mas o lance que em ´97 uma delegação da UnB viajou pro exterior, conheceu o fantástico mundo dos modelos, decidiu organizar o primeiro no Brasil, com parceria estrangeira, etc.
JB: Os mitos são pessoas muito distantes, sem rosto. E é esse o problema geracional - não aconteceu uma passagem contínua, do Beltrano que falou do Fulano que falou do João Vargas que falou do Abrantes. Existe eu, que conheço o João e o Abrantes, e existe uma porção de novatos que não conhecem o João muito menos o Tarrisse (N.E: lendários delegados da UnB e Diretores do AMUN).
Não vejo como uma falha da construção da identidade e da história do modelo, mas como uma falha na passagem de geração a geração.

CS: O mito não é essencial, então.

JB: Poderá surgir um novo grupo modeleiro totalmente renovado, que não tenha tantas referências e que crie novas.
Por exemplo, um grupo que comece a ir em modelos e assuma a organização deles, mas que não possua tanta experiência herdada. Daí poderá surgir uma nova referência, que será passada pra futuras gerações que seguirão mais continuamente o processo.

CS: Uma reinvenção da roda.

JB: Ficou claro ou eu tô viajando na fenomenologia da psique social?

CS: Oh, ficou claro, ficou claro =)
JB: De qualquer forma, acho que ativar a memória do brasileiro, aluno de Relações Internacionais (ou não), é sempre uma boa. Idéias como o One Decade Project empolgam os alunos diante do potencial do modelo e dos objetivos reais que fizeram ele acontecer e continuar. Entender a história ajuda a compreender a importância de certas coisas que talvez possam passar despercebidas.

CS: Em que medida o One Decade Project é gente vaidosa querendo entrar pra posteridade (ou colocar amigos na posteridade)?
JB:
Acho que não tem a ver com vaidade. Eu acho que seria curioso e interessante pra organizadores e entusiastas poderem ver como era o AMUN antes e como ele é hoje, saber como o MONU e o TEMAS surgiram. Sem estrelatos ou calçada da fama.

CS:´tendi.
JB:
A idéia é também mostrar pessoas importantes pros modelos e que ninguém ainda tinha se tocado de que aquela pessoa existiu e foi responsável por tanto.

CS:
Obrigado, Juliana.
JB: Obrigada você, Cedê!

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. ótima entrevista, cedê, mas vc vai me perdoar, pq vai ficar para a Juliana o prêmio de frase mais espirituosa do post:
    "JB: Ficou claro ou eu tô viajando na fenomenologia da psique social?"... =D excelente!

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  3. Sehr gut, sehr gut...
    Queria muito ir no XAMUN, mas não poderei devido a obrigações militares na mesma época :(

    Quero muito ver o resultado do One Decade Project. O processo de surgimento dos modelos no Brasil deve ter sido algo extremamente interessante de se presenciar :)

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  4. O projeto One Decade é no mínimo notável. Se aproveitando da história do AMUN como "backbone" da modelagem nacional, é uma ótima opção pra começar esse registro histórico.

    Excelente entrevista, e a melhor parte ficou perto do final. Qual a influência dos nossos "founding fathers" para a modelândia? Em outros termos: estamos ensinando nossos sucessores a voarem sem nós?

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