terça-feira, 6 de novembro de 2007

Resolucionismo

(Ante scriptum: crédito pela idéia deste post vai a Amanda Caldeira e Frederico Bartels, ambos modeleiros da Vetusta Casa da PUC-MG, que fizeram a discussão original a respeito deste tópico, e com quem pude trocar algumas idéias a respeito durante o UFRGSMUN 2007. Kudos!)

Nós não nos damos conta, mas boa parte dos modeleiros brasileiros são resolucionários.

Não, não foi um erro de digitação. O termo é "resolucionário" mesmo. Resolucionismo é uma tendência de MUNs, não só no Brasil mas também fora, segundo a qual todo comitê, para ser considerado bem-sucedido, tem que aprovar necessariamente uma resolução ou coisa que o valha como prova de que a simulação foi um sucesso.

Alguns diriam que essa é uma característica dos modelos - afinal, temos que ter algum resultado concreto para justificar todo o trabalho que nós tivemos para montar comitê, escrever guias de regras e de estudos, moderar e ficar em uma sala por cinco dias... Essa questão "objetivista" do MUN faz bastante sentido, se considerássemos um MUN como algo fechado em si mesmo (o que desvirtua toda a noção de simulação, mas isso é outra discussão).

O que muitos modeleiros, delegados e diretores, esquecem é que é completamente normal um comitê não aprovar uma resolução após tantos dias de trabalho. Um comitê não se reúne quatro ou cinco dias por ano como um MUN faz. Nós sabemos muito bem que, na vida real, se nada for aprovado hoje, paciência, amanhã é outro dia, tentaremos de novo. Mas eu duvido que algum leitor deste blog não tenha passado por aquela pressão que se monta em uma simulação na última sessão do modelo, a meia-hora do almoço, quando ainda não há resolução pelo menos em discussão ou em processo de emenda.

Outra circunstância possível é a aprovação de resoluções muitas vezes sem conteúdo algum ou pouco relevantes apenas pela "satisfação " de ter aprovado alguma coisa. Isso é ainda mais prejudicial do que não aprovar nada, pois necessariamente implica em muitos delegados "abstraírem" de suas políticas externas em prol do resolucionismo do modelo.

Esta característica de modelos é bastante comum, e é infinitamente mais evidente nas simulações do Conselho de Segurança da ONU Brasil e mundo afora. Um veto é quase sempre visto com maus olhos - tudo bem que há casos e casos de vetos desnecessários ou mal-utilizados, mas mesmo naqueles em que um veto é completamente justificável por razões de Estado, o coitado do delegado tem que suportar uma pressão imensa de todos os lados para deixar o texto passar "em nome da cooperação". Só que nós sabemos muito, muito bem que não é assim que funciona. Por que, então, insistimos tanto no resolucionismo?

Uma explicação possível é a necessidade de mostrar algum resultado da conferência a patrocinadores ou apoiadores institucionais - que, muitas vezes, são incapazes de compreender que não aprovar nada em simulações como essas pode ser normal e até desejável academicamente. (Falo por mim quando digo que aprendi mais nas vezes em que nada foi aprovado do que quando tudo passou por consenso.) Mas eu não sei até que ponto isso pode ser uma real influência no comportamento.

Outra explicação, um pouco mais simples, seria apenas as pessoas não encaixarem bem na cabeça a idéia de que estão na ONU, e não em um lugar que simula a ONU - em outras palavras, realmente assumir que estão role-playing. Sou pessoalmente partidário desta posição, pois sempre há muita gente nova que não pega bem o espírito da coisa logo na primeira viagem, e aqueles que compreendem o espírito da coisa não conseguem dar conta de fazer o comitê funcionar 100% como uma simulação por conta disso.

Obviamente, há casos em que a não-aprovação de uma resolução realmente é algo tenebroso e fora do comum, mas são poucos - principalmente em simulações de gabinetes e organismos menores (como o G8, por exemplo).

Há também a possibilidade de aprovação de outros tipos de documentos - o presidential statement dos UNSC simulados no Brasil de uns anos para cá é um bom exemplo: um documento sem a mesma força (e necessidade de trabalho intelectual) de uma resolução, fato, mas muito mais realista e plausível do que uma resolução toda vez que uma situação muda.

De onde vem essa mania nacional, então? Será que o resolucionismo é necessariamente algo prejudicial, ou mesmo inerente a qualquer modelo?

Sound off, readers!

10 comentários:

  1. Bom e necessário post.

    1. Sim, o resolucionismo é prejudicial. Qualquer coisa que "detracts" da simulação é prejudicial. Se queremos simulações, queremos realismo, e portanto temos não apenas de aceitar a falta da resolução, mas por vezes encorajá-la.

    O TEMAS Da Guerra vai simular o CS do começo de 2003, tópico Iraque. Nada foi objeto de veto. Até onde tudo indica, não vai haver resolução nenhuma.

    Então sim, é preciso combater o resolucionismo. A melhor forma de fazer disto é pela EDUCAÇÃO - informando as pessoas sobre as dificuldades e reais necessidades de resolução; informando sobre os outros documentos e decisões possíveis, e colocando isto inclusive em Guia de Estudos.

    2. Quer dizer, os próprios Diretores, mais do que a "cultura modeleira", têm um papel muito importante em criar um cenário no qual seja confortável para as pessoas não se prenderem a máquinas de fazer resolução.

    3. Mas a gente tem que tomar muito cuidado para separar o resolucionismo de verdade do resolucionismo de política externa. Uma coisa é eu, como acadêmico, estudante, achar que não existe necessidade de resolução e sustentar isso com vários motivos.

    Outra coisa é eu como delegado, sustentando uma política externa.

    O neguím que "combate o resolucionismo" pode estar simplesmente expressando a PE do país DELE, porque o país DELE não vê necessidade de resolução. Isso nem sempre é absoluto. Não é porque o neguím estudou o sistema ONU que necessariamente vai convencer uma delegação que tem 5.000 motivos para sim, aprovar uma resolução.

    Então mesmo se como estudante posso enxergar que um comitê não precisa de resolução, ou pior, aprovar uma seria contra-produtivo, ainda posso, a partir de algum interesse político, sustentar sua validade.
    Aí fica o debate "melhor para todos" versus "melhor para um position paper": e se um ou ambos os lados têm poder de veto, já viu.

    4. Outra coisa importante é levar em conta o trabalho de cada comitê. A AG aprova as mesmas resoluções todo santo ano, o mesmíssimo texto. Um neguím chegar e dizer na AG "essa resolução é redundante" é muito mais osso do que no CS, por exemplo.

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  2. Concordo com os pontos levantados pelo Cedê e pelo Guilherme. Acho até que os documentos "alternativos" devem ser sim mais divulgados (inclusive nos guias de estudo, pois eles tb limitam-se a colocar a resolução como o modelo de documento oficial do comitê), pois eles podem realmente salvar alguma situação diplomaticamente complicada.

    Vou dar um exemplo recente. Esse ano passei pela situação de, enquanto a Interpol (na SOI) estava preparando uma resolução sobre pornografia infantil na Internet, apareceu a situação de crise - um pedófilo procurado foi identificado em Vanuatu (ñ-membro da Interpol) e o representante deste país ñ aceitou negociar de forma alguma e disse que só aceitaria algum tipo de negociação se a organização se posicionasse sobre esse tipo de crime (chantagem na cara, né). A discussão ficou: aprovamos a resolução durante a crise (e cedemos à barganha de um país que nem membro da OI é) ou aprovamos algum outro documento só para sair da crise e continuarmos o debate normal. A escolha foi justamente aprovar uma nota à imprensa comentando brevemente sobre o caso e saímos da crise. Naquele momento, aprovar a resolução durante a crise era ceder à barganha e a Interpol ñ iria deixar isso acontecer ... a resolução foi aprovada depois, assim como outras, e tudo andou na paz. Se ñ fosse a apresentação dessa opção pela mesa (de fazer a nota), acho que dificilmente teríamos saído da crise pq a grande maioria estava convencida em ñ aprovar a resolução durante a crise.

    Outro caso peculiar foi o do habeas corpus aprovado pela UNPO ano passado, mas aí são outros 500.

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  3. Alguns comitês sequer produzem resoluções, mas relatórios (sub-comissões especializadas, por ex.); e tem ainda os gabinetes.

    2. Agora, se estamos num dos Seis Comitês da AG, não tem jeito de falar em "resolucionismo". Esses Comitês nunca fizeram NADA que não fosse mandar drafts pro Plenário da AG, então adotar o extremismo de "chega de resolução" também não vale.

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  4. Obviamente que cada comitê tem suas particularidades, porém o espírito do resolucionismo não resume-se somente a ter resolução ou não. A pior representação do resolucionismo é quando o debate é empobrecido em nome da produção de documentos, quando delegados, em vez de procurarem discutir os pontos importantes, estão preocupados com o que colocar na resolução.

    Por mais que a presença de working papers e drafts possa direcionar o comitê, eles também prendem o comitê aos tópicos que estão sendo tratados nos documentos, perdendo muito em profundidade. Isso eu senti muito no SpecPol do ufrgsmun 2007, como era um tópico mais tecnico e muitos dos delegados só estavam preocupados em escrever uma resolução, acabou que muitos dos detalhes ficaram perdidos.

    E, sinceramente, resolucionismo por política externa é das coisas mais raras que existem. Nenhum país se importa o suficiente com a ONU para julgar ser de extrema importância passar uma resolução qualquer. Isso é superestimar o papel da ONU no cenário internacional. Os árabes passam resoluções condenam Israel o tempo todo só para marcar a dominação deles na AG, pq eles sabem que elas não tem peso nenhum. Assim como a única resolução que Israel já aprovou na AGNU não representa muito pra diplomacia israelense.

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  5. Epa, uma coisa é resolução na AG, outra coisa é resolução no Conselho...

    2. Isto é: no caso da AG, claro que o resolucionismo é uma questão, mas, como os comitês da AG não fazem nada além de resoluções, os delegados não têm mesmo muito mais o que fazer. Se alguns pontos ficam de fora, ou se a discussão fica muita presa, isso é um mal, mas se deve a fetiche em relação a documentos escritos, não à "necessidade" da resolução.

    Quer dizer, mesmo que o Diretor diga: "este comitê é pra bater papo, não vou aprovar nenhuma draft até achar que deve, e se bobear, nunca", ainda assim o debate pode ficar preso aos working papers.

    3. E no caso do Conselho, além das resoluções serem importantes (podem baixar sanções, enviar missões de paz, etc.), tem também a pressão sobre os membros não-permanentes.

    Se eu sou França, posso adiar uma resolução até o infinito. Mas se eu sou Brasil e o CS inventou de discutir segurança energética, eu tenho que aproveitar e enfiar o etanol de algum jeito no raio da resolução, porque depois eu vou ficar ANOS fora do Conselho.

    4. Então sim, quero crer que tanto o comitê quanto a PE influenciam e tingem o debate sobre resolucionismo.

    Forçar resolução na OMC discutindo Doha é não apenas ridículo, como irreal. Forçar resolução no CS 2003 discutindo Iraque, mesma coisa.

    Agora, querer aprovar presidential statement no DSI, ou recusar-se a fazer nova resolução sobre o Sudão só e somente só porque o prazo da PKO não expirou, etc., aí entramos no outro extremo: um anti-resolucionismo puro, e não crítico, como deveria ser.

    5. Quero crer que o "resolucionismo" é um problema que foi detectado e devemos sim aprender com ele, não fugir da resolução como o diabo foge da cruz.

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  6. Esqueci de ressaltar um ponto que o Pereira levantou e que, para mim, é o centro do problema do resolucionismo: o não entrar completamente no espírito do órgão simulado.

    Por exemplo, em uma AGNU, não há a menor necessidade de aprovar-se uma resolução em um dado tempo. Eles tem todo o ano de trabalho para fazer as resoluções daquela sessão. Obviamente, existem limitações da composição da agenda e tudo mais, mas off-plenary, eles tem muito tempo, tanto antes quanto depois que o item está em pauta, para construir as resoluções. Para mim, sempre falta aquele pensamento de "nos estamos reunidos aqui por muito tempo, se não terminarmos isso hoje, beleza, termina-se depois". Para mim, a frase mais assustadora que existe em um modelo é quando algum delegado fala "mas ai você vai jogar fora o trabalho desses 4 dias", isso mostra não só resolucionismo, quanto incapaidade de pensar como sendo um representante daquele país naquele órgão de fato. Obviamente, o contexto pode ter motivações diferentes, porém estou analisando no contexto de um país qualquer que não tem interesse específico em aprovar resoluções no tópico.

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  7. Sim, isso é verdade. Como de fato eles têm o ano inteiro, resolucionismo de 4 dias é mesmo não apenas chato, como não-realista.

    Ao mesmo tempo, a AG tem o ano inteiro sim, mas para discutir mais de 100 tópicos!

    Olhemos a 61ª sessão:

    http://www.un.org/Depts/dhl/resguide/r61.htm

    Foram aprovadas 296 resoluções, isto é, uma média de 0,8 resolução por dia. Então 4 dias de trabalho, tirando sábado e domingo, espera-se 3,2 resoluções, em média, claro.

    Ainda pode-se argumentar:
    a) os modelos geralmente se passam em sábado e domingo ou pelo menos um sábado (UFRGSMUN) então podemos reduzir esse 3,2
    b) a AG plenário tem esse ritmo frenético de 0,8 por dia, mas cada um dos Comitês produz bem menos. Se fosse distribúido igual entre os seis (não é), cada Comite faz 0,13 resolução por dia - isto é, um modelo de 4 dias não seria suficiente, em média, para fazer resolução.

    Então sim e não, quer dizer, o resolucionismo existe e críticas a ele chamaram atenção para problemas importantes, mas por outro lado a AG passa aquelas 296 resoluções por ano, então se a moçada não for "produtiva", no sentido mais tosco e "escreve-logo" do termo, não vai rolar de preencher a cota de resoluções que são feitas e aprovadas, querendo ou não.

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  8. (esse segundo Frederico é o Cedê, ou o Bartels esta falando sozinho? :p )

    Pereira, eu não sei se todos os delegados estão realmente cientes de que são resolucionistas. Você diz "só que nós sabemos muito, muito bem que não é assim que funciona [na vida real]", mas acho que menos de 20% dos modelistas sabem. E a culpa em grande parte é nossa, ie, dos velhos modeleiros, pois geralmente ensinamos de modo mecânico aos novatos que o "objetivo" de um comitê é aprovar uma resolução. Isso acontece na maioria dos clubes de modelagem e também na maior parte das sessões de revisão de regra.

    No mais, concordo com o post em gênero, numero e grau. Mas se serve de consolo, garanto que o resolucionismo é problema mundial e não somente brasileiro, e é comum em MUNs europeus e americanos também.

    Muitos MUNs de fato enviam suas resoluções a algum orgão do Labirinto ONU, seja a UNIC local, alguma agência especializada ou até alguma das UNAs, que strictu sensu nem fazem parte da ONU. Esse fator aumenta a pressão resolucionista sobre os organizadores e delegados. Mas isso tudo é erotica politica, como diria o Putin. Que eu saiba, nunca nenhuma resolução de modelo influenciou a vida real.

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  9. "Erótica política" me parece mais termo do Jabor do que do Putin =p

    De qualquer forma, tanto o "frederico" quanto o "cedê silva" sou eu. Meus posts também se distinguem porque "frederico" tem um link, enquanto "frederico bartels" não; e meus posts tem parágrafos numerados.

    2. Espero não ter resultado confusão das minhas postagens sob meu e-mail mais "sério", preguiça minha de deslogar para virar "doidimaiscorporation" e postar aqui.

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  10. Cedê, veja aqui a "erótica política" do Putin:

    http://www.themoscowtimes.com/stories/2007/10/19/002.html

    Essa é uma referência a uma suposta frase da Madeleine Albright, que teria dito que os recursos naturais da Russia precisam ser internacionalizados. Essa citação criou o maior fuzuê em Moscou, que esta cada vez mais nacionalista.

    O problema é que a Albright nunca disse isso! :p

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