terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Raízes da Vendidagem - Parte II

Terminei o último post falando sobre a evolução do conceito de vendidagem até os dias de hoje, e como há duas concepções a respeito do mesmo fenômeno: uma boa vendidagem, aceita (ou ao menos tolerada) no meio social da Modelândia, e uma má vendidagem, que não tem esta mesma aceitação.


Antes de entrar em maiores detalhes nisto, no entanto, vale aqui fazer uma consideração (e também uma curta digressão pessoal) sobre um fator muito importante no desenvolvimento da vendidagem – o prêmio.


De uma certa forma, a existência do prêmio foi fundamental para o desenvolvimento da vendidagem, em formas que discutiremos adiante. No entanto, alguns modelos mais antigos (como a SiNUS, desde 2002) e principalmente desde 2005 (com a mentalidade prizeless is priceless do primeiro TEMAS), tem acumulado força um movimento em alguns modelos brasileiros de não distribuir prêmios aos delegados (ou delegações), optando por avaliá-los de alguma outra forma, tendo cada modelo seu próprio estilo de avaliação.


Como dito antes, o meio ambiente modeleiro propiciou o desenvolvimento da vendidagem, e os prêmios dados aos delegados considerados vendidos garantiu a sobrevivência deste comportamento. Mas ao contrário das expectativas, a eliminação dos prêmios em determinados modelos não acabou com a vendidagem – esperava-se que a eliminação dos prêmios acabaria com o tipo de vendidagem predatória que muitas vezes ilude os diretores e incomoda os delegados. Não foi bem isso que aconteceu.


Por conta disso, eu optei por dar um pouco menos de relevância aos prêmios em si para focar mais no desenvolvimento da vendidagem como um fenômeno de comportamento que prosperou in full force no ambiente modeleiro brasileiro. Certamente teve impacto, mas de alguns anos para cá perdeu bastante espaço em relação ao que tinha antes, e isso prova que a vendidagem consegue caminhar com as próprias pernas. Mesmo assim, o prêmio continua tendo uma influência indireta sobre a evolução da vendidagem, como voltarei a abordar em seguida.


Relembrando as variáveis da vendidagem que apresentamos no finalzinho do último post, o bom vendido é aquele que sabe utilizar os dons da retórica e da oratória, bem como o uso racional das regras e de documentos, para convencer e direcionar de maneira construtiva os debates para um rumo mais favorável à sua política externa. São basicamente as qualidades de qualquer bom delegado, com a diferença fundamental que o vendido sabe se apresentar, aparecer e ser lembrado como ninguém.


O mau vendido, por outro lado, embora faça uso dos mesmos artifícios, o faz de uma maneira destrutiva: ao invés de convencer, manipula sem rumo e abusa de dramatizações; deixa de usar as regras de forma moderada para abusá-las sem dó nem piedade; muitas vezes atropela sua própria política externa na crença, de certa forma maquiavélica, que irá atingir seus objetivos (isso quando não o faz por simples desejo de massagem no ego ou por diversão egoísta).


Estes são apenas estereótipos; como ninguém é perfeito nem uniformemente comportado, mesmo bons delegados às vezes escorregam nos excessos, e delegados abusados mostram lampejos de virtude. E é aí que mora o perigo.


Distinguir entre o bom e o mau vendido é uma atividade que requer alguma experiência prévia em modelos. Quem souber o funcionamento esperado de um comitê saberá entender quando que um delegado está contribuindo para o debate e compreendendo as regras e quando não está; desta forma, o diretor, que é a principal entidade responsável pela tarefa de identificar os bons e os maus, saberá como contornar eventuais delegados que prejudicam o debate (através de mecanismos próprios da simulação, como cartas de governo e intervenções) e premiar ou incentivar os delegados que contribuem algo para o debate.


Só que nem sempre nós podemos contar que todos os diretores em um modelo saberão como distinguir os bons dos maus, ou deixando de reconhecer bons delegados que atuam mais discretamente para dar atenção a delegados que mais se preocupam em aparecer do que contribuir com o debate. Isto é em parte decorrente da nossa própria percepção sobre o desenvolvimento de MUNs como duelos de oratória e retórica, e não como negociações diplomáticas propriamente ditas.


Apesar da minha preferência pessoal por avaliações individuais em detrimento de prêmios, eu tenho que admitir que os prêmios levam uma vantagem por serem um instrumento que tem a capacidade de tornar públicos os bons exemplos escolhidos por um bom diretor, consciente do que faz um bom delegado e, conseqüentemente, o bom vendido. O problema é que é uma faca de dois gumes: da mesma forma, os prêmios também podem valorizar erroneamente os maus vendidos, que participam de modelos exclusivamente com o intuito de ganhar um prêmio (deixando de lado a experiência acadêmica que é a própria simulação) e este tipo de conduta acaba por se espalhar, gerando mais exemplos de má vendidagem (que se espalha mais facilmente do que a boa vendidagem).


Para agravar a situação, talvez em razão da distância temporal entre o surgimento do termo "vendido" e o "boom" modeleiro no Brasil, muitos delegados (principalmente de ensino médio) se chamam de vendidos entre si, se orgulham de ser vendidos, colocam como objetivos em um modelo se comportar como um vendido. Needless to say, quando não existe uma concepção correta sobre o que é o vendido, sua origem, sua conotação e suas variações, os resultados podem ser desastrosos, com muitos delegados se desestimulando ou por não poderem se comportar como imaginam ser a forma "correta", ou por se sentirem intimidados por esses delegados que agem como maus vendidos sem saberem que o são.


O comportamento de um delegado em um modelo é algo completamente imprevisível; não sou psicólogo para saber dizer de que forma um delegado de primeira viagem, ou com vinte modelos nas costas, se comportará quando se deparar com determinada situação. A vendidagem tem tantas variações quanto há delegados dispostos em se empenhar em participar de modelos seriamente. É simplesmente impossível "controlar" os delegados para impedir algum comportamento deletério ao debate, não importa quantos treinamentos e clubes de simulação organizemos.


Tudo bem, se formos diplomatas nós lidaremos com colegas de trabalho com comportamentos menos "éticos", por assim dizer, ou com ameaças, ou com outras situações que fugiriam das regras comumente aceitas para discussões civilizadas. Mas há uma grande diferença neste tipo de situação para os exemplos de má vendidagem que vemos em modelos: no mundo real, diplomatas não têm (muita) margem para a criatividade ou para o exibicionismo, salvo em ocasiões raras, nem eles ganham "prêmios" por suas atuações (não no sentido modeleiro). Em modelos, e especialmente na Modelândia brasileira, um delegado que resolve dar asas à imaginação pode ser desastroso para um comitê, e ainda ser premiado por isso (ou pelo menos não ter como ser impedido) se cair sob a tutela de diretores inexperientes.


Como podemos ver, a situação é bem complexa. Os bons vendidos estão em extinção; maus vendidos são erroneamente premiados, e seu comportamento se multiplica por delegados mais novos e com pouca experiência; diretores que cresceram com esse ambiente de ambiguidade não conseguem distinguir o joio do trigo da vendidagem; bons delegados em potencial desistem de continuar na Modelândia por não terem espaço em um evento que deixou de ser uma simulação de negociações diplomáticas para ser um concurso de caras, poses e discursos.


Eu não saberia dizer se há uma solução rápida e/ou efetiva para esta situação. Se houver, gostaria de ouvi-las nos comentários, e no próximo post da série comentaremos sobre maiores desenvolvimentos.

10 comentários:

  1. Minha opinião é de que isso pode ser algo apenas cíclico. Nesses anos de 2006/2007/2008, muitos dos delegados experientes entraram para a faculdade e começaram a ser diretores de comitês, inclusive em modelos de ensino médio. Com o tempo, essas mesas diretoras mais experientes ajudarão os novos delegados a diferenciar a boa da má vendidagem.

    But I may be wrong. :-P

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  2. Eu sou um delegado inexperiente, se comparar com a experiência de todos vocês, e confesso que fiquei meio assustado quando soube do termo.
    Pensei que encontraria um comitê cheio de "vendidos", e que não conseguiria falar nada. Não foi bem assim que aconteceu.
    Apesar de não ser um modeleiro antigo, eu acredito naquela idéia de que prêmios atrapalham, mas acho que o phill está certíssimo.

    Abraços!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Considero os prêmios a principal fonte dos problemas. Na minha opinião,aqueles maus vendidos em modelos sem premiação nada mais são que fruto do estrelismo dos outros, com premiação.

    Modelos podem ser uma incrível máquina de inflar egos, e além dos prêmios, existe certa "veneração" à modeleiros que me faz lembrar dos tempos de "panelinhas" na ensino fundamental.

    Em suma, são duas coisas que tornam o comportamento "mau vendido" um ciclo, na minha opinião:
    1. Prêmios
    2. A veneração às "celebridades" modelísticas.

    Não que seja um problema adimirar pessoas. O problema eh que se torna uma coisa mecânica - repeteco de nomes que muitas vezes nem se conhece, tipo celebridade.

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  5. Na verdade é tudo muito dificil.

    No ano de 2007 comecei a pensar num mundo de modelos sem prêmios, devido ao fato de perceber que nos modelos que ainda temos prêmios muitas pessoas só vão ao modelo por causa do prêmio, isso atrapalha demais.

    Outro fator que me faz pensar na modelândia sem prêmios é o fato de que muitos professores orientadores incentivam os delegados a fazer tudo pelo prêmio, exemplificando um caso de um delegado que no ONU Jr. fora do comitê chorou e contou para todos que estava muito triste e desanimado, já que seu namoro tinha terminado e que sua dupla seria sua namorada, tentando assim fazer com que os outros, sensibilizados, lhe cederem mais tempo...ridiculo demais.

    Existem várias características que são marcantes, durante algum tempo fui chamado de vendido por que incorporo o personagem, escuto o hino do país, gosto de tentar apredner alguma coisa na lingua do país, estudo sobre o que posso, tento parecer e ser um diplomata daquele país. Assumo que gosto e tenho muito prazer em simular, em debater, em conhecer pessoas, aprender mais sobre nações, colecionar bandeiras hehe, mais o que me irrita e muito são as pessoas que fazem de tudo para ganahr prêmios e por isso são chatas com questões que não tem pertinencia, pessoas que perdem o decoro, e que não respeitam os outros. e isso pra mim é o pior sinal do que é chamado a vendidagem do mal, ou do lado negro da força.

    Muitos amigos do mundo de modelos são chamados de vendidos, mais são vendidos jedis por assim dizer, eles querem o bem do comitê, querem desenvolver melhor o tema, chegar mais longe, conseguir aquele acordo, retornar suas terras, coisas que um diplomata tentaria, e não um bárbaro da ciméria.

    Abraços

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  6. 1. A vendidagem é um fenômeno exclusivo dos modelos brasileiros. Não existe em modelos fora do Brasil. Não existe, no Brasil, fora dos modelos.

    2. A vendidagem é um fenômeno intrinsecamente brasileiro, daí ser ambíguo, com tintas de jeitinho, sutileza e som de cuíca.

    3. Desta forma, mesmo tendo ares de 'elite' por aqui, já que são poucos os delegados pobres, nossa 'elite' não escapou de produzir um fenômeno tipicamente brasileiro.

    PARTE II

    4. Parto aqui dos seguintes princípios:
    a) modelos são simulações de coisas reais, e quanto mais parecidos, melhor;
    b) na vida real, diplomatas são ou deveriam ser premiados por façanhas na carreira, bons avanços das PEs que lhes foram enviadas, ou o avanço geral dos interesses do país, na falta de instruções pormenorizdas;

    ---> portanto, o único critério para premiação é o avanço da PE, com outros critérios servindo de acessório (bom comportamento, conhecimento do tema, contribuição ao debate, formação de alianças, etc.). Algumas PEs podem ser exatamente de atrasar ou anular o debate, donde não ser justo premiar os 'bonzinhos' se os 'maus' estavam fazendo exatamente o que deveriam.

    5. O problema da vendidagem é que o "vendido mesmo" espera ser premiado por um comportamente babaca, pelo show off, e não pelo trabalho duro de negociar. Remover o prêmio acaba com isto sim. Premiar BEM - saber premiar, usar critérios claros - também acaba.

    6. O único mal irremediável é o vendido "babaca mesmo", o que trapaceia, interrompe, faz mal uso de questões, etc. Esse não dá pra gente fazer nada. É também a mesma pessoa sobre a qual o Napozêra escreveu, o anti-ético, que rouba, que esconde, que joga no lixo.

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  7. Assino embaixo do ponto 5 do Cedê. Remover a premiação corta o mal pela raiz, mas, junto com ele, acabamos por cortar partes saudáveis da árvore dos MUNs (ê metáfora tosca...).

    É uma solução? É. Uma delas.

    Já me esforcei muito em comitês de modelos sem prêmios e com prêmios, não faço distinção. Mas, como dito no post, tudo depende da índole do delegado. Acabo por tender para o lado da conscientização das mesas diretoras antes de partir para uma solução radical.

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  8. Olá a todos!

    Tenho algumas pequenas análises para expor, tanto sobre a personagem tão controversa que é o 'vendido', quanto suas variações esquisofrênicas.

    Primeiramente, não vejo distinção alguma entre bom e mau vendido. Outrora, o termo foi criado com caráter pejorativo, para designar exclusivamente aquele indivíduo que tanto assombra os pesadelos de diretores e enfurece os delegados menos experientes. O bom vendido, simplesmente, não deveria ser assim nomeado. Um delegado que luta por suas políticas e almeja um sucesso povoado de pequenas vitórias nas negociações é o que todos devem aspirar.

    Sobre a extinção de prêmios. É de se esperar que não se acabem os 'maus vendidos' com a simples extinção dos prêmios. Tampouco as ditas 'celebridades' são as responsáveis pelos desastres provocados pela falta de bom senso daqueles. Muito pelo contrário, são elas as princiais figuras que ainda lutam pela qualidade das simulções brasileiras, com uma ou outra excessão. O problema, se me permitem a especulação, é gerado por uma complexa trama de fatores, nem sempre homogêneos, que estão intricecamente ligados à estrutura atual dos MUNs. Isso mesmo, o fato da análise dos resultados do trabalho individual ser tarefa destinada a um pequeno grupo de indivíduos, acessíveis do ponto de vista do pratícipe, é proibitivo para um ambiente sem guerras de egos e diplomaticamente salubre.

    Precisamos repensar as simulações. Reestruturar a dinâmica dos debates, criar elementos mais verossímeis e, o mais importante, transformar o reconhecimento, individual ou coletivo, em uma conseqüência natural do bom trabalho em equipe. Isso já seria um ótimo começo.

    Acredito que essa não seja uma tarefa ingrata, muito menos impossível. Para os que se identificaram com esses argumentos, trago algo motivador. A ONG SIMUN criará, ainda em 2008, uma simulação com todas essas características. Se chamará SIMUN NAÇÕES! Quem quiser conhecer melhor o projeto, basta me contactar: diogoflora@gmail.com

    Agradeço a todos!
    Forte abraço,
    Diogo Flora.

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  9. Diogo, a respeito do desempenho e reconhecimento do bom trabalho em equipe: notei há algum tempo que muitas vezes aliados ganham prêmio juntos. Exemplos:

    - EUA + Reino Unido (UFRGSMUN 2005, além de Espanha e Irã)
    - EUA + Israel + França, e Irã + Síria (UFRGSMUN 2007)
    - Brasil + Argentina (AMUN 2005, além de Irlanda, Dinamarca, China, EUA)
    - Grécia + Dinamarca (UFRGSMUN 2006)

    Quer dizer, já existe um certo mecanismo de premiar equipes =). Ele não é institucionalizado e nem sempre é usado "direito", fato, já que o lance ainda é premiar indivíduos e não times; mas às vezes, premia times - seja como efeito colateral, seja como intenção dos Diretores.

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  10. Eu acho essencial destacar que um bom diretor massacra QUALQUER vendido, simplesmente por estar do lado da lei, a regra de ouro diz que na dúvida o diretor tem razão. Óbvio que isso não justifica mesas autoritárias, mas sim estabelece um mínimo de confiança - a mesa pode "podar" um dele-espevitado sem medo de ser feliz, tem todaa as ferramentas pra tal - e também imbui os diretores de uma responsabilidade muito forte - delegado vendido destruindo comitê é SEMPRE culpa da mesa. Erraram ao desenhar o comitê, ao fazer o projeto, ao designar os países, a mediar o debate, não interessa: em algum canto eles erraram, já que, com já disse, eles tem todas as formas de solucionar os problemas supervenientes na simulação.

    Com base nesse fato: a profunda importância da mesa, eu acho que o problema não é o vendido em si, é uma avalanche de emsas ruins que temos visto ultimamente. Com um bom diretor um dele-Chavez (nao é nada contigo, Napô ;P) não passa de um passarinho estridente que vai ficar gritando até cansar, o que acontecerá rápido se ele não receber o holofote que tanto anseia.

    E mais uma vez: tirar prêmio não resolve problema, é um paliativo. Você tira o prêmio, cruza os dedos e fecha os olhos, torcendo pra dar certo. As vezes dá, as vezes não.

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