segunda-feira, 10 de março de 2008

A MODERAÇÃO GREGA É LINDA

Novembro de 2006. Eu e meu colega de trabalho, Emb. Guilherme Marques, fomos a Nova Iorque (Porto Alegre) para representar a Grécia no Conselho de Segurança.

Era o ano em que o AMUN e o UFRGSMUN inauguravam a prática de regras comuns. Todos os comitês usariam as mesmas regras, e os respectivos CSs adotariam os mesmo procedimentos especiais.

Incluindo a melhor terceirização que já aconteceu no Fantástico Mundo dos Modelos: os delegados moderam.

A moderação por delegados tem vários méritos. Primeiro, é uma terceirização não-tucana (olha meu lado Zé Simão). Segundo, libera braços. São pelo menos dois braços a mais para a Mesa fazer crises, redigir cartas, cuidar de zicas diversas. Mas fica melhor ainda. Não tem lista de discursos. Menos dois braços administrando flip-chart e riscando nome de país em papel kraft.

E foi o que aconteceu naquele UFRGSMUN e outros CSs. Uma enxurrada de notícias da CNN, cartas de nossos chefes, notas da mais recente 'teligença sobre este ou aquele evento. Tudo preparado e redigido pela Mesa, que podia fazer isso porque, ora, não estava moderando.

A segunda sessão do CSNU seria moderada pela Grécia. Foi aqui que decidi usar a oportunidade para mostrar a Nova Iorque um fantástico sistema de moderação. Na minha opinião, o melhor.

O ARROZ À GREGA - Todo mundo sabe que o UFRGSMUN é o arroz com feijão da vovó. Só simula o básico, mas é uma delícia. Pra lá de caprichada. Mas a partir dali, pelo menos durante aquele CS, o arroz seria à grega.

Cheguei pra Mesa e perguntei se poderia, na Presidência do CS, apresentar um novo sistema de moderação. A Mesa consentiu e disse que, não dando certo, reverteria ao velho sistema. Ufa. Até hoje agradeço aos Diretores, por terem aceito pelo menos conhecer uma idéia nova.

O que ficaria conhecido como moderação grega não tem nada de novo. É usada desde os começos da sociedade internacional como a conhecemos: usei-a ainda em 1648, no TEMAS Soberania. Fiz isso porque dias antes eu visitei reunião do BID aqui em BH e vi como delegados de verdade debatem. Por meio de algum misterioso e silencioso mecanismo, eles conseguiam comunicar ao Presidente da mesa que queriam falar, e este os reconhecia numa ordem que eu não conseguia decifrar, mas tudo transcorria de forma ordeira. O que diabos eles faziam para sinalizar ao Presidente que queriam falar? E isso sem necessidade do Presidente ficar repetindo aquele ladainha: "delegados que queiram se pronunciar..."

Então veio o estalo. As plaquinhas. Eles levantavam as plaquinhas. Mas não como nos debates moderados de modelos - ao pedido do Presidente, e várias vezes até ser reconhecido. Eles levantavam as plaquinhas e deixavam-nas de pé. Então, aguardavam sua vez.

É isto a moderação grega - um debate moderado permanente, como pretendem as regras unificadas BSB-POA; mas em vez da Mesa perguntar quem quer falar entre um discurso e outro, os delegados deixam as placas de pé e a Mesa vai reconhecendo.

Usei essa moderação em Vestfália. Repeti em Munique, na SiEM. Usei de nova na minha OTAN, no MINI-ONU. A experiência no UFRGS seria a quarta vez.

PORQUE É MELHOR - A moderação grega é melhor que o debate moderado por uma simples constatação: tem todas as vantagens e nenhuma das desvantagens. É matemático.

Vamos analisar debate moderado normal x moderação grega.

VANTAGENS DAS DUAS

Maior fluidez - em vez de chamar delegações com base numa ordem fixa, pré-programada e cujo único critério de ordenamento é a decisão arbitrária de quem está com a caneta hidrocor na mão (qual placa ele vê primeiro?), no debate moderado apenas quem tem algo a falar sobre o assunto em pauta/quente será reconhecido. Na grega também.

Maior relevância - o delegado que pôs o nome na lista na sessão anterior e já se esqueceu do porquê não será reconhecido. Nem no moderado normal, nem na grega.

Mais responsividade - um delegado que acusou outro ou faz uma insinuação pode ser respondido na hora, dependendo se a Presidência achar relevante e se não achar que ao fazer isso está "deixando-se levar". De novo, ponto pro moderado normal e pra grega.

Mais falas - na lista de discursos, você só pode falar de novo colocando-se ao final da lista. Mas às vezes isso é distorção porque seu país está no centro do debate. No moderado pode ser que você fale de novo depois de apenas dois ou três discursos. Ponto pra ambos.

VANTAGENS EXCLUSIVAS DA GREGA

Conforto - somente a grega tem a vantagem do conforto: você não precisa ficar com a placa na mão e no aguardo, igual você faz com o câmbio de marcha do seu carro quando o sinal está vermelho. Basta deixar ela de pé, quieta. Vantagem relacionada: tocando menos na placa, você destrói ela menos.

Saliva - Já é muito chata a ladainha "algumaquestaooumoçao?". Corte pelo menos a outra, "delegadosquequeremsepronunciarporfavorlevantemasplacas", logo substituído pelo "delegadosquequeremsepronunciar..." e já vi até mesmo um simples: "países...!"

DESVANTAGEM DA NORMAL

Irrealismo - embaixadores de verdade e Chefes de Estado não passam pela situação, um tanto humilhante, de levantar plaquinha e não serem reconhecidos. Nem de ficarem levantando plaquinha um monte de vezes, um gesto meio infantil que mais lembra aulinha de ginasial, tentando chamar atenção da professora. Diplomatas não são Hermione Granger para ficar levantando mãozinha. Ponto para a grega, que não tem isso; já o moderado perde.

DESVANTAGEM ALEGADA DA GREGA, MAS FALSA

"É como lista de discursos" - existe a alegação de que a moderação grega é uma lista de discursos disfarçada, porque a Presidência pode anotar quem levantou placa no momento em que o fez, criando uma lista cronológica de quem pediu a palavra primeiro. Isso contudo, é simplesmente não entender todo o propósito da moderação grega, que é justamente dar liberdade pra Mesa escolher, das plaquinhas levantadas, quem deve falar agora. Há também um princípio parlamentar simples, e comum a zilhões de congressos e Congressos mundo afora, segundo o qual quem ainda não se pronunciou tem precedência sobre quem já falou. O que permite vários fura-filas, se bem que não existe fila.

CONCLUSÃO - A moderação grega é não apenas linda, mas foi um sucesso. Depois da segunda sessão, todas as outras adotaram o mesmo sistema. No meu entendimento, isso quer dizer que não apenas a Mesa, mas também nossas delegações-colegas, testaram e aprovaram.

Adote uma grega você também.

(foto: Dora Bakoyannis, a charmosíssima Ministra das Relações Exteriores da Grécia)

12 comentários:

  1. A grega é ótima. Teremos grega no Conselho de Segurança Nacional dos EUA do III SIMUN, que, por sinal, está com o link antigo ainda no blog :P

    http://www.simun.com.br/

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  2. Tivemos até uma "degustação" desse modelo na UNPO do MONU 2006, pelo que lembro, não Cedê?
    Parece sim ser um sistema interessante, espero poder participar de algum comitê que adote-o ainda este ano.

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  3. Não gosto do sistema grego. Sou das que acha que é uma espécie de "lista de discursos"disfarçada, pois acho que ela gera uma forma de debate que, ainda que mais dinâmica que a lista de discursos, é mais "engessada" que o debate moderado normal. Não adianta só falar que esse argumento é falso, Cedê, porque isso é uma questão de opinião pessoal. Eu acho que é menos dinâmica, vc acha que não.

    E existe ainda outra desvantagem desse sistema. É completamente impraticável em comitês médios e grandes. Serve pra Conselhos de Segurança e Gabinetes, mas pra comitês maiores, com uns 30 países ou mais não funciona. Ah e tbm não funciona em auditórios, onde os delegados não têm mesas pra apoiar suas plaquinhas, o que não é algo mto comum nos modelos universitários, mas acontece bastante nos de Ensino Médio.

    Ou seja, falar que ela é melhor e pronto, porque tem vantagens e nenhuma desvantagem não é tão verdade assim, ô, jornalista =P

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  4. A única certeza que eu tenho deste post é que a nossa querida Bakoyannis continua sendo a mais charmosa de todas... Gostei também do link do vídeo!

    mas vou ter que concordar com a amanda em relação a comitês muito grandes, mas eu tenho a solução à grega:

    - Comitês grandes, placas gigantes.

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  5. A Amanda tem razão nos dois pontos: É uma opinião e não serve pra comitês grandes.

    Usamos esta moderação na OTAN 2007, e funcionou perfeitamente, mas também devido ao diretor ultra-controlador-maníaco que dosava o debate ao seu bel-prazer.

    Enfatizando o que o Cedê já destacou: essa moderação põe um peso IMENSO sobre a mesa diretora. Se não forem bons NÃO DÁ CERTO. O Diretor tem de ser bom de feeling, senão o troço engessa e fica mais lento que a lista de oradores.

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  6. Em grau, gênero e número com Ms. Caldeira e Mr. Cabral. A tal da grega nos foi motivo de tanta preocupação que, por consenso dos staff members, o Scherer se fez presente no Comitê. Segundo as palavras do gajo, presença desnecessária, porque a diretoria e sua assistência eram de competência imensa. Me dou ainda ao luxo de agregar uma nova variável: é imprescindível que os delegados também funcionem na lógica da moderação grega. Tanto em termos de due courtesy quanto em termos de qualidade nas incumbências que relegam aos diretores(as) e assistentes. Gosto muito do sistema. Mas acho que a speakers list tem um papel inaugural que é subutilizado nos comitês grandes. Penso que um início tradicional conjugado com a moderação grega pode funcionar desde que haja um staff administrativo disponível para "consolidar" a vontade dos diplomatas que queiram só discretamente levantar a plaquinha.

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  7. Concordo com quase todos os comentarios anteriores, inclusive a nota de rodapé da Carla; sim, a UNPO usou a grega na metade do tempo, ou pouco mais. Funcionou porque o comitê era relativamente pequeno, uns 28 delegados, e porque havia uma enorme massa de modeleiros experientes que conheciam o caminho das pedras.

    Resumindo o que outros disseram melhor, a grega é como o tempo ilimitado de discurso e o uso livre do laptop: funciona em comitês pequenos, gabinetes e/ou "elitistas" (detesto esse termo), mas não em AGs da vida.

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  8. Em tempo, placas gigantes não são suficientes para evitar os problemas de visibilidade e dinâmica dos comitês grandes.

    O WorldMUN passado, com 160-200 delegados por comitê e placas maiores do que o braço direito do Guilherme Pereira (minha plaquinha LIECHTENSTEIN parecia um outdoor), foi simplesmente a Casa da Mãe Joana.

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  9. Não concordo com a arbitrariedade que a mesa assume.

    Não sabendo qual será o discurso dos delegados, como pode julgar a mesa a sua relevância?

    Agora, quanto a questão do tempo, discordo do Napoleão.
    Não há quem me convença que dar tempo máximo aos discursos é uma vantagem.
    O tempo ilimitado de discurso pra mim, dá mais realidade e possibilidade de se evitar aquela chatérrima discussão que se baseia em argumentos não concluidos.

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  10. Nós usamos regras semelhantes no Politburo da SiEM ano passado. Foi a melhor combinação de regras que eu já vi para comitês pequenos/médios.

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  11. FSP da SiEM foi nessa base. Excelente!! Pretendo adotar esse modelo de moderagem sempre que puder. Para CS é algo extremamente positivo.

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