domingo, 23 de março de 2008

O Delegado Radioativo


- Gwaaaaaaar!

Imaginem a cena: começo de modelo, todo mundo bem vestido, os diretores organizam as coisas na mesa, os delegados começam a puxar aquelas conversas laterais com ou sem segundas intenções, aquele ritual de praxe. O diretor dá dois toques no microfone e anuncia o começo da sessão. Mas antes de mais nada, a apresentação. Um a um os delegados falam seu nome, de onde vem e sua experiência em modelos. É o famoso comitê dos novatos, a maioria começando no magnífico mundo da modelagem. Eis que lá pras tantas, cai a bomba: Fulaninho, vindo de tal lugar, 25 modelos nas costas. Silêncio sepulcral no ambiente. É assim que geralmente começa o dia do delegado radioativo.

Delegados radioativos são uma sub-espécie de delegados experientes: aqueles cuja presença simplesmente contamina o comitê. Há outros que conseguem manter o low-profile, mas não este. O delegado radioativo é famoso por, bastando existir naquele lugar, ser um incrível vetor de confusão.

Delegados experientes são uma faca de dois gumes. Eles podem levar um comitê nas costas - o que é indesejável, mas em último caso pode ser proveitoso - ou destruir uma simulação forçando aos outros representantes situações que eles não estão preparados/capacitados a lidar. Todo mundo conhece uma história de algo parecido, e nestes tempos em que as mesas estão ficando cada vez pior preparadas, o fenômeno fica mais e mais preocupante.

Ser radioativo não é fazer bobagem no comitê, e é isso que o distingue de um dele-sem-noção. Ser radioativo é fazer as coisas que estão AO ALCANCE e SOB AS REGRAS, e ainda assim ter capacidade de implodir um comitê. Ou seja, você segue as regras mas por uma razão ou outra o comitê está especialmente frágil, e descamba sem razão aparente. Quando menos se espera, o dele-césio já montou no comitê só fazendo seu trabalho, sem absurdos.

Ser radioativo não é motivo de orgulho nem vergonha, conheço algumas pessoas em especial que simplesmente o são e não tem como evitar. É só entrar pela porta do comitê pra ver o holofote do caos e olhares temerosos da mesa. Mas apesar do potencial para confusão, um delegado experiente pode se tornar o melhor amigo da mesa (sem vendidagem), e servir de norte pra toda a simulação. Mais uma vez, é uma situação cheia de exemplos práticos. A questão é: como domar o monstro radioativo e impedir que ele esmague toda a simulação tão cuidadosamente planejada?

Primeiro ponto: Faça um projeto de comitê à prova de falhas. Na verdade você não tem como garantir que não haverá falhas, mas se esforce pra chegar o mais perto disso segundo seus conhecimentos. Peça conselhos e ajuda de outros modeleiros, estude como comitês semelhantes foram feitos em outros lugares. Veja quais foram os problemas. Falhas de design são a principal causa de implosão de comitês e de supremacia dos delegados radioativos. Com um comitê bem amarrado, esses delegados tem menos margem pra usar de suas técnicas e táticas - corretas, frise-se - para desequilibrar o comitê.

Segundo ponto: Uma mesa bem treinada estará apta não só pra de fato moderar o debate como, se for necessário, chamar o dele-plutônio pra uma conversa no canto e pedir pra ele pegar leve. Isso pode não ter resultado, mas geralmente já ajuda pra que ele se contenha um pouco, e delegados experientes em geral valorizam a camaradagem na modelândia e conseguem se colocar na posição de um diretor em apuros vendo seu barquinho ir à pique.

Terceiro ponto: Faça uma designação de países bem-feita. Esse é um tópico que ainda não abordamos de forma satisfatória aqui, mas a designação de países é crucial pro equilíbrio do comitê. Se o cara tem trinta simulações, pede EUA e você dá pra ele Zâmbia, você cria um problema TERRÍVEL. Você provavelmente terá um EUA contestado a cada cinco minutos e um delegado da Zâmbia preparado pra espancar Condolezza Rice até ela aprender suahili. Nesse caso a melhor saída pra você é o delegado experiente se desmotivar e ficar num canto, melancólico - desnecessário dizer, é um desperdício de experiência que poderia ser empregada no comitê. O pior que pode acontecer? O pior que pode acontecer? Imagine o pior desastre diplomático da história e multiplique por vinte, e você vai ter um vislumbre do caos em potencial representado por um delegado radioativo, que pode pisar e humilhar os países principais, destroçando as chances que o comitê possuia de chegar a algum lugar. E se isso acontecer, a culpa vai ser exclusivamente da mesa, que não soube fazer seu trabalho.

Essa inclusive é a grande lição sobre os delegados radioativos. Se a mesa fizer seu trabalho direito, eles não vão incomodar. Os diretores do Brasil precisam ter em mente que ter delegado experiente não é só bônus, mas também ônus. Significa estudar mais e mais, pois se você precisa saber mais do assunto que seus delegados, este é um delegado que muito provavelmente já começa sabendo muito mais que você. É claro que os delegados experientes sempre podem ter um surto imprevisível - mas os novatos também podem. A diferença é que no caso dos participantes tarimbados, o estrago pode ser muito, muito maior.

O delegado radioativo é uma força da natureza que pode e deve ser respeitada e usada para o bem do comitê. Caso a mesa falhe em dimensionar os riscos, seu modelo pode ter seu futuro arriscado: depois de uma catástrofe dessas só o que resta são os destroços e o fracasso que afastará as pessoas durante muito tempo. Vocês sabem, mesmo com todos os riscos, ainda acontecem desastres assim o tempo todo.

13 comentários:

  1. Gostei do texto, especialmente o saboroso começo!

    Excelente terminologia nova. Acredito que vai pegar.

    2. Não sei se o delegado radioativo é esse problema todo. O delegado experiente pode PEDIR um país "ruim" porque será divertido.

    ("Ruim" não é o termo certo, eu diria "mais fraco")

    3. Por exemplo, eu pedi Indonésia no XAMUN, foi minha primeiríssima opção (era meu 10º modelo comercial como delegado). Também

    4. Sobre a frase: "Delegados experientes são uma faca de dois gumes. Eles podem levar um comitê nas costas (...) ou destruir uma simulação".

    Poxa, não tem um intermediário =p? Simplesmente levar o comitê pra frente, ajudar os debates, etc.?

    5. Mas entendi o ponto e sugiro a seguinte definição do problema:

    O delegado radioativo é um problema quando exerce uma influência nos trabalhos do comitê MUITO maior do que o país dele deveria ter (mesmo se ele for EUA, porque mesmo os EUA não decidem as coisas sozinhos na ONU).

    Isto é um problema porque simulações são simulações, e querem simular o mundo real. E na vida real um diplomata 2 anos mais velho que os outros não domina um comitê e escreve uma resolução sozinho e o resto da moçada engole.

    6. Não vejo como solução melhor um maior constrangimento pela Mesa, mas sim o EMPODERAMENTO dos demais delegados. Puxando a brasa, pensei agora que os Working Groups são uma boa forma de fazer isso. Eles isolam o radioativo para ficar em um terço do comitê apenas, e dão força para os líderes de cada grupo.

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  2. O item 3 do comentário anterior ficou sem continuação. Não lembro o que eu ia escrever.

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  3. O Cedê tem razão no ponto 4, há sim um meio termo, mas não se tratando dos Radioativos. Ou eles ajudam muito ou implodem tudo.

    O outro ramo maior dos delegados experientes que eu pensei foi os Cooperativos, os verdadeiros bons moços da modelândia, os genros que toda sogra quer ter. Mas isso fica pra outro dia.

    Obrigado pelos comentários, Cedê!

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  4. Sorry, Carla, você tem razão, Genros e Noras mesmo. É que eu escrevi pensando em um cidadão que é especificamente muito bom com essa história.

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  5. Excelente texto, WA. Concordo integralmente com sua opinião, mas fiquei com uma dúvida depois de ler os comentários: o que acontece quando há uma reunião de delegados-cooperativos e delegados-radioativos? A vocação para o caos supera o dom da moderação?

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  6. Na minha opinião o radioativo contamina mais que o cooperativo organiza. Se a mesa mantiver o pulso, tudo se resolve tranquilo. Se não...

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  7. Verdadeirissimo! Preciso dizer que segurei o riso algumas vezes, inclusive por me identificar com quase toda a descrição, e até os cinco-ao-quadrado modelos de experiência. Eu admito que fui um delegado-pesadelo para metade dos meus diretores, mas a outra metade diria o contrario. Mas não me arrependo de quase nada, salvo um certo veto escocês.

    Esse fenômeno não tem nada a ver com a vendidagem, pois um dele-césio não é um bom-moço nem um caça-prêmios. O vendido é previsivel; o delegado radioativo é imprevisivel, o fator surpresa. Ele é extremamente competitivo, faz questão de usar todos os métodos que aprendeu e gosta de uma boa briga e de algum teatro. Francamente, modelos sem delegados radioativos não teriam muita graça.

    Concordo que esse tipo de delegado impõe enormes desafios à mesa. Mais: os radioativos são insubordinados e podem se rebelar contra os diretores ja na primeira sessão, principalmente se a mesa for muito menos experiente e/ou tropeçar nas regras e na dinâmica. Isso beira o desrespeito, eu sei, mas como ex-representante da categoria afirmo que não é intencional. Radioativos podem ser amorais, mas não são imorais.

    O radioativo apenas quer ganhar o jogo (para seu pais) e se divertir no processo, sem necessariamente infernizar a vida dos outros delegados ou da mesa. Se precisar ser amigo de todo mundo pra ganhar o jogo, ele vai ser. Se precisar enganar o comitê inteiro, ele vai enganar. Mas se ele se sentir injustiçado, isolado ou castrado pelos erros da mesa ou dos outros delegados, ele vai se insurgir e talvez matar o comitê, sim, e dormir de consciência limpa e sem qualquer remorso.

    Mas não acho que exista uma reação automatica entre a existência (ou a abundância) de radioativos e a qualidade do comitê. Dependendo do jogo de cintura e da habilidade da mesa, comitês cheios de radioativos podem ser um sucesso épico (UNPO no MONU 06, talvez Manaus no AMUN 06) ou um desastre pior que Chernobyl (OTAN no TEMAS 06 e principalmente a Baba Egipcia no MONU 05). No final das contas, é a mesa que determina qual vai ser o papel do dele-radioativo, se construtivo ou destrutivo, assim como o urânio pode ser usado para energia nuclear pacifica ou para bombas atômicas - por isso adorei sua metafora!

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  8. O problema do 56 foram os delegados radioativos ou a crise radioativa?

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  9. Os dois. Digamos que a crise radioativa reagiu com os delegados radioativos, transformando o comitê em uma enorme Hiroshima sem sobreviventes.

    Hoje muita gente não lembra, mas o comitê estava em quase-colapso antes mesmo de aparecer a Baba, como o Ortega e diversos outros plutônios poderiam confirmar.

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  10. É isso mesmo. Na verdade, o comitê CHEGOU ao colapso no primeiro dia, e na manhã seguinte começou tudo de novo, como se nada tivesse acontecido.

    O CSH do MONU 2005 foi um caos porque houve ali uma reunião improvável de cavaleiros do apocalipse modeleiros. Além de um punhado de delegados-radioativos, havia uma mesa inexperiente, um secretariado fantoche, uma intrusa inconseqüente e uma bolota de polônio que se achava dona do MONU...

    A Babá foi só a gota d'água. O problema todo foi muito maior...

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  11. No meu boletim da Sinus o diretor disse que eu fui o que eles chamam de "delegado radioativo", o que teria feito eu ganhar 7 em diplomacia. Considerando que eu representava Irã, devo me preocupar com a posição que tenho tomado nos modelos ou devo, perdoem o linguagar, tacar o fodas e continuar implodindo comitês?

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