sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Pela Profissionalização das Crises

  “Eu vou perguntar só uma vez... CADÊ A BABÁ?”

Tenho a leve impressão que uma lynching mob se dirigirá contra mim após esse post, mas não custa tentar...

Não sei se mais alguém tem percebido isso, mas, nos modelos brasileiros, eu vejo uma “banalização” das crises. Anteriormente, crises eram a exceção, agora são a norma. Em contraste com a época quando comecei a freqüentar modelos (em 2005-2006), quando, normalmente, só comitês de segurança tinham crises, hoje até mesmo comitês ambientais as planejam. Por quê? Eis minha humilde hipótese:

“Antigamente”, a crise tinha duas finalidades. Uma delas era mostrar que aquela simulação era uma coisa bem próxima da realidade. Ora, é claro que se o Conselho de Segurança estiver no meio de uma sessão sobre a renovação do mandato da UNIFIL e alguém abrir a porta de supetão e gritar: “A Geórgia tá metendo o pau nos ossetas!”, eles obviamente vão parar aquela sessão para discutir a questão na Geórgia. Talvez os mais experientes no mundo modelístico possam me desdizer, mas, no meu ver, as crises surgiram para dar aos delegados a sensação de instabilidade inerente a situações extremas ou tensas.

A segunda finalidade das crises era (e ainda é, se forem bem planejadas) ajudar os diretores a separar o joio do trigo. Na crise, você percebe quem realmente incorpora a postura do país (nacionalismo transferido na veia) e quem só sabe a posição do país em relação a um tema. Não estou pedindo que os delegados saibam da política externa inteira do país, o que seria absurdo, mas sim a postura, o que é algo mais difuso. Por exemplo: se estiver sendo discutida a influência das moscas da Patagônia na segurança dos campos de refugiados palestinos e houver uma crise envolvendo a Coréia do Norte, o delegado americano tem que ter o bom senso de tentar esculachar o Kim Jong-Il. Se a França for a linha dura do comitê e os EUA forem da turma do “deixa disso”, existe algo muito errado.

Hoje em dia, principalmente nos casos de uma mesa diretora inexperiente, a crise deixou de ser uma ferramenta de avaliação para ficar apenas como algo que leva o comitê mais próximo da realidade – ou mais longe, dependendo da qualidade da crise – ou até mesmo como “algo legal de se fazer”. Por incrível que pareça, existem pessoas que acham legal ficarem trancadas em uma sala para almoçar – coisa que, sinceramente, não entendo.

De similar maneira, a qualidade das crises também caiu. Claro que antes também existiam casos de crises loucas, como o paradigmático caso da babá egípcia. Mas a insanidade é mais freqüente hoje, muitas vezes por conta de crises mal preparadas. Por exemplo, se for feita uma crise envolvendo um porta-aviões americano, o mínimo que se pode fazer é acessar a página da Wikipédia do navio e verificar que a marinha americana utiliza o prefixo USS, e não HMS, como vi em uma crise por aí.

O problema da qualidade das crises me leva a outra idéia que tenho ventilado com alguns modeleiros: a figura do diretor de crise, que tem se popularizado, principalmente nos últimos anos.

Durante o modelo, é normal algum comitê “precisar de uma crise” por qualquer motivo e não conseguir planejá-la, por quaisquer motivos. Entra em cena aquela figura que existe em qualquer modelo: a do “cara que faz crises”. Essa pessoa normalmente é diretora de algum outro comitê, e acaba tendo que administrar, além das suas próprias crises, as de dois ou três outros comitês. Desnecessário afirmar que isso é prejudicial para o modelo em si, já que o “cara das crises” tem seu próprio comitê para conduzir, e fica com a atenção dividida demais. Além disso, em um espaço curtíssimo de tempo, ele tem que se informar de como o comitê está e quem ele pode influenciar lá dentro, além de fazer uma pesquisa básica sobre o tema, caso seja algo mais obscuro (e.g. influência das moscas da Patagônia na segurança dos campos de refugiados palestinos).

Caso os modelos tivessem três ou quatro diretores de crise “estatutários”, ou seja, selecionados através de edital ou application, alguns problemas poderiam ser solucionados:

1.      1. É possível peneirar as pessoas responsáveis pelas crises através de um processo mais objetivo (no caso de uma application), aumentando a qualidade das crises.

2.      2. A divisão de tarefas entre os diretores permite que cada um dedique mais do seu tempo e atenção a um número menor de comitês, resultando em crises mais detalhadas, bem pensadas e planejadas.

a.      Um pouco de brainstorming coletivo nunca prejudicou ninguém. Os diretores podem colaborar entre si para enriquecer uma crise. Quatro cabeças com certeza pensam melhor que uma.

3.     3. A imagem do modelo em si ganha, já que as crises em diferentes comitês terão um nível parecido, eliminando o argumento “meu diretor não sabe fazer crise”.

Já existe pelo menos um caso de sucesso seguindo uma versão reduzida desse modelo que apresentei. Durante o V ONU Jr, os delegados da Crise de Berlim, que se dividia em uma épica batalha entre OTAN e Pacto de Varsóvia, tomavam decisões que afetavam o outro comitê. Entretanto, a ligação não era direta. Existia uma “war room” para a coordenação de crises, a qual foi batizada de GRUCON – Grupo de Controle. O importante é que as pessoas do GRUCON tinham uma visão panorâmica (ou bird’s eye, a que você preferir) de ambos os comitês. Era lá onde as cartas para os governos eram respondidas, as ordens militares, executadas e as crises, desenvolvidas. Sempre consultando os diretores que estavam acompanhando o debate, claro.

Isso me lembra de fazer uma observação: não estou defendendo que um pequeno grupo tome as rédeas do rumo dos debates em todos os comitês de um modelo. Pelo contrário. A integração e o diálogo entre os diretores de crise e os diretores de comitê é fundamental e imprescindível ao sucesso do comitê e, por conseguinte, do modelo.

Estariam as crises fadadas a virarem meros acessórios de comitê? Diretores de crise e war rooms vão “pegar” no mundo modelístico? Aguarde os próximos capítulos.

Philip Hime é aluno do 4º período de Direito na PUC-Rio e diretor da Organização dos Estados Americanos do VI ONU Jr.

9 comentários:

  1. Minha humilde opinião:
    As crises dependem de muitos fatores: o andamento dos debates no comitê, o tema que está sendo simulado (na minha opinião é impossível certos comitês e certos temas gerarem crises sem uma ligeira "forçação de barra"). Qual a diferença entre um modelo com 10 comitês ter 9 comitês com crise ou apenas um? Se o tema permitir e a crise for bem planejada, que haja. Mas se não der, don't push it. O "elemento surpresa" da crise está desaparecendo dos modelos, já entramos na primeira sessão esperando pelas crises. Estive no Fórum Econômico Mundial do III SIMUN, onde não houve crise, e nem por isso deixou de ter bons delegados que souberam lidar com a sua política externa e tomar decisões pertinentes a postura de suas representações.
    Não vamos banalizar as crises.

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  2. As crises dependem de muitos fatores: o andamento dos debates no comitê, o tema que está sendo simulado (na minha opinião é impossível certos comitês e certos temas gerarem crises sem uma ligeira "forçação de barra"). Qual a diferença entre um modelo com 10 comitês ter 9 comitês com crise ou apenas um? Se o tema permitir e a crise for bem planejada, que haja. Mas se não der, don't push it.

    Exato. Mas mesmo comitês e temas que dariam crises boas às vezes acabam tendo crises mal-feitas.

    O "elemento surpresa" da crise está desaparecendo dos modelos, já entramos na primeira sessão esperando pelas crises.

    Eu concordo, mas isso é mais relativo... Delegados de CDH esperam "menos" ter crises do que delegados do UNSC, onde é quase tradição uma crise.

    Estive no Fórum Econômico Mundial do III SIMUN, onde não houve crise, e nem por isso deixou de ter bons delegados que souberam lidar com a sua política externa e tomar decisões pertinentes a postura de suas representações.

    É, eu fiz uma breve aparição de Gordon Brown por lá... Mas acho que você não captou a questão que tentei levantar. Todos os delegados de determinado comitê podem saber "lidar com a sua política externa e tomar decisões pertinentes a postura de suas representações". Isso fará de todos bons delegados. Mas o que realmente vai fazer o delegado excelente se destacar é saber se portar de acordo com as premissas de seu país durante uma situação para a qual ele não se preparou.

    Não vamos banalizar as crises.

    From your lips to God's ears.

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  3. Não sei porque mas acho que eu me identifiquei bastante com esse post. Desnecessário dizer que eu apóio o conteúdo, até pq em 99% dos casos citados eu estava presente (felizmente ainda não era modeleiros nos tempos de babá egípcia) e ajudei a construir as idéias aí presentes.

    E gostaria de adicionar alguns pontos.
    1 - Fazer crises requer alguma experiência. Não tem nada a ver com excelência acadêmica e sim com saber como se comporta um comitê diante de cada situação. Talvez seja este o principal fator que vai determinar o sucesso de uma determinada crise. Saber diferenciar uma boa crise depende muito de com quem você está lidando. Se são alunos de EM, ou de Ensino Superior. Se são os delegados café com leite ou os doidos da SiEM. Ouso dizer que, dependendo do modelo, o caso da Babá egípcia poderia realmente ter virado uma crise (não institucional hehehehehe).
    2 - Crise não se faz nas coxas. É claro que, muitas vezes, você vai precisar de uma crise no meio do modelo. Conhecer o(s) tema(s) é crucial para, pelo menos, saber quais pontos podem virar grandes confusões. Os milhares (hehehehe) de diretores do Politburo da II SiEM devem lembrar dos nossos planejamentos bizarros, possíveis desdobramentos e finais alternativos que nunca aconteceram.
    3 - Manter uma crise é um exercício ainda maior. Uma vez criada uma crise ela ganha vida própria. Pode jogar fora todo o seu planejamento. Seus delegados VÃO fazer algo q vc não pensou e VÃO mudar todo o rumo da coisa. Saber lidar com isso é um exercício à parte e muitas crises foram por água abaixo pela inabilidade dos diretores de resolver esses pepinos. Não adianta tentar forçar o resultado planejado, isso vai tornar a situação muito irreal e irritar os delegados.

    Quanto ao último comentário do Bruno: "Não vamos banalizar as crises."

    É exatamente essa a idéia. As crises já estão banalizadas e por isso elas são feitas de qualquer jeito, em qualquer comitê e a qualquer hora. Criar dentro dos modelos alguém pra cuidar só disso pode ser uma solução interessante pra evitar que alguém superempolgado faça algo no impulso e estrague um comitê. Acredite em mim, isso acontece. Cheguei a ouvir de um SG ao tentar explicar o que havia ocorrido em um determinado modelo: "Sabe aquelas idéias que na hora parecem maravilhosas?" Não preciso continuar, preciso? XD

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  4. Mais uma vez obrigado ao Phil pelo excelente post.

    Eu acho que não foi a sua intenção fazer apologia à crise, mas apologia à qualidade nas crises. se for fazer, faça bem-feito.

    Eu pessoalmente não gosto de crises. A situação mais ridícula pra mim é a do CSNU/UNSC. Em um ano temos mais crises em modelos do que em uma década da vida real. E olha que eles se reúnem todo dia. Logo, estamos mandando o realismo às favas em prol de uma suposta emoção em comitê. Emoção essa que, dada a banalização da crise, simplesmente não existe mais. Hoje em dia não ter crise é mais chocante do que ter crise :O!

    Crise demanda planejamento, mas precisa igualmente de um "feeling" do comitê, saber o timing certo de fazer as coisas. Eu já testemunhei vários casos bizarros de simulações que foram seriamente afetadas por crises atabalhoadas. Aquela crise que aparece na pior hora possível, atrapalhando uma resolução no forno, com uma situação bizarra e uma urgência maluca.

    Parece que quando acontece uma crise no mundo a Liga da Justiça se reúne pra executar um plano mirabolante em meia hora, meio Kingdom Come, passando pro cima de jurisdições e autoridades.

    Mas eu acredito que crises podem ser aproveitadas de formas mais próximas da realidade, especificamente no que tange não a matar o problema, mas gerir suas consequências. No último comitê em que fui diretor, OTAN na SOI passada, tivemos uma crise pequena com a explosão de um pequeno trecho de um gasoduto que teve consequências, militares, diplomáticas, e, o pior, humanitárias, gravíssimas. Algo muito pequeno ficou progressivamente MUITO complicado. Não se tratava de uma ação complexa, mas simplesmente várias ações simples e plausíveis. Essa estratégia é a melhor, na minha opinião, pra se desenhar uma crise coerente.

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  5. Banalizar? Isso já é nossa realidade. E temo em pensar que estamos entrando num caminho que talvez não terá volta. Como já colocado, a maioria dos delegados já chega nos modelos esperando pelas crises, e saem um tanto quanto decepcionados quando estas não ocorrem.

    Mas ai também caímos na tendencia de alguns modelos em aplicarem comitês que por si só são crises. Sinceramente falando, cade o feijão com arroz? cade os comitês que conseguem se manter com discussões calorosas e reais? Afinal, na realidade não acontece uma ou mais mega crises a cada 5 dias!

    Claro que inovar com comitês diferentes, bem como inserindo crises interessantes é válido. Contudo cabe lembrarmos sempre que a idéia inicial não pode se perder!

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  6. Eu concordo tanto com o post que tive dificuldade em encontrar coisas novas para dizer. Mas vou responder a alguns comentarios anteriores.

    Assim como o JP, creio que a experiência é mais importante do que a qualidade acadêmica pura na criação das crises. Evidentemente é preciso conhecer bem o tema da crise e a dinâmica do comitê na vida real, mas o crucial é prever a reação dos delegados. As boas crises são planejadas com MUITO tempo de antecedência; no citado Politburo da morte do Stalin, na SiEM II, começamos a montar as crises quase um ano antes do modelo.

    Apesar de tudo, eu ainda gosto das crises, desde que realistas e bem planejadas. Elas se banalizaram? Sim, especialmente no UNSC, como disse WA, mas isso não significa que todas as possibilidades tenham sido esgotadas. Querem um exemplo? Por que ninguém tentou começar uma crise À NOITE, depois das sessões, talvez durante a festa do modelo? Ao diretor bastaria telefonar para seus delegados e convoca-los imediatamente para uma reunião emergencial em um quarto ou sala de hotel. Não estou brincando. Guerras podem começar a qualquer hora, e Tskhinvali foi arrasada de madrugada.

    Mais ousadia, meu povo modeleiro, mais ousadia!!

    Ah, em tempo, a (excelente) idéia de criar diretorias especificas em crise é razoavelmente difundida em certos modelos do Sudeste, mas ainda não chegou ao resto do Brasil, que eu saiba.

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  7. Thomaz, você não faz idéia do que vão fazer na OTAN desse ano ;)

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  8. Eu soube que este post era do Philip assim que vi a foto que o inicia. Citar a babá egípcia também foi impagável.

    O post retrata muito bem a realidade dos modelos cariocas atualmente. Eu tenho o hábito de comparecer a comitês econômicos e humanitários (a.k.a. "rosas") e ainda assim me surpreendo com delegados de primeira viagem questionando quando irá ocorrer a tal "crise".
    Antes opcional, a crise virou lugar-comum. Utilizada anteriormente como ferramenta para buscar a verossimilhança dos comitês, passou distanciar cada vez mais o modelo de um real mecanismo diplomático.
    As crises absurdas muitas vezes levam os delegados menos estudiosos a sairem das atividades relevantes ao comitê, passando a tratar de temas que concernem a outros comitês e a criar fundos que já existem (isso ocorre principalmente nos CDHs, ACNURS, OMSs que vemos por ai).

    Concordo que a solução seja a integração dos diretores tanto ao lidar com a natureza das crises quanto ao manejar as alterações que o modelo sofre em meio a elas. Nada melhor para enlouquecer um diretor de logística do que diretores prepotentes que decidem propor uma crise sem se manifestar com o restante do corpo acadêmico e administrativo do modelo.

    Lembro também que a confusão com as siglas citada pelo Phil neste post ocorreu em um modelo carioca recente que não possuia qualquer experiência. Creio que isso deva ser levado em consideração e que as críticas a este modelo dirigidas sejam de natureza meramente construtiva.

    Devo dizer que fiquei lisonjeada com o comentário do Bruno sobre o comitê em que fui diretora no SIMUN (FEM). O sucesso deste apenas se deu devido ao enorme nível acadêmico dos delegados (inclusive o senhor) e da integração entre os diretores do modelo em si (como o Phil querido), apesar de infelizmente nem toda a diretoria ter permanecido devidamente integrada.

    Parabenizo pelo blog, sempre uma leitura interessante.

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  9. Esse post me fez lembrar coisas divertidas na preparação de alguns modelos:

    Diretor inexperiente: deixa eu fazer uma crise?
    Secretário Acadêmico: Não
    Diretor: Por que não?
    Secretário: Por que o seu comitê, na vida real, não tem crise. Quer dinamizar os debates? Seja mais criativo.

    Basicamente essa conversa retrata um debate que deve ser levantado em paralelo ao da banalização das crises: a falta de critatividade em tentar dinamizar os debates.

    Já vi um comitê ficar muito mais interessate, após uma palestra de uma autoridade no tema. Eu era delegada e fiquei bem contente e satisfeita com o comitê. Acho que isso foi geral.

    Por outro lado, uma coisa que o Napô levantou eu considero bem interessante:

    Por que ninguém tentou começar uma crise À NOITE, depois das sessões, talvez durante a festa do modelo? Ao diretor bastaria telefonar para seus delegados e convoca-los imediatamente para uma reunião emergencial em um quarto ou sala de hotel.

    Certa vez conversando com alguém num ENERI, sobre como eu preferia o MUN world, alguém me falou que eles tinham um modelo interno na facul que funcionava dessa forma. Achei interessante, mas parou por aí. Lendo os comentários do Napô, pensei: ta aí! Bem que eu poderia ter tentado implementar isso.

    Aos que ainda estejam envolvidos com MUNs, acho que seria algo a ser levado em consideração.

    Phil, parabéns pelo post

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