quarta-feira, 7 de maio de 2008

A little less conversation, a little more action, please

Comentário nonsense antes que inspirou o título: Elvis Presley seria um bom delegado em um gabinete.


Atualmente a menina dos olhos de boa parte dos modeleiros brasileiros, comitês em estilo gabinete são uma interessante variação das simulações diplomáticas que a maioria das conferências brasileiras oferecem. Qual é a graça? Diferentemente dos MUNs convencionais, os delegados não se restringem apenas a discussões - é esperado que eles decidam, que ajam, que tomem medidas (às vezes drásticas) para solucionar o problema que lhes é apresentado, e lidar com as conseqüências.


Pessoalmente, pude participar de quatro simulações em estilo gabinete (uma vez como diretor, nas outras como delegado). Cada uma delas teve seus atrativos e suas falhas, suas vantagens e desvantagens. Mas o principal chamativo de qualquer gabinete é aquela sensação de "pá-pum" quando se toma alguma decisão. Não basta apenas aprovar uma resolução, uma ordem ou uma recomendação – alguma coisa tem que acontecer depois disso.


Em geral, no entanto, ocorre um fenômeno curioso nos gabinetes. Talvez por conta das rotinas com as quais estamos acostumados em modelos, é muito difícil aceitar que as coisas sejam decididas sem discussões ou sem consultas a vozes dissidentes. As explicações para isso variam.


Eu não sei se há um motivo exato para explicar esse fenômeno, mas vou arriscar e puxar um fio que o Cedê certa vez mencionou sobre algo que falta aos modelos: o ensino da responsabilidade (lembrando do filósofo Ben Parker: "com grande poder vem grande responsabilidade").


Ano passado tive o privilégio de participar do TEMAS 2007 na qualidade do então President of the United States, Richard Nixon, em 1970, durante a Guerra do Vietnã. A decisão final (entre outras tantas que tomamos) era se bombardearíamos ou não o Camboja, em um dos episódios mais críticos da Guerra. Por uma série de motivos, optou-se por seguir a História real ao invés de mudá-la: fizemos queijo suíço da fronteira Camboja-Vietnã. Embora quem assinasse a ordem final em muitos casos fosse eu, e em termos estruturais eu fosse a pessoa "responsável" por um dado ato, ninguém queria assumir a responsabilidade de ter mandado bombardear um país neutro na guerra.


Salvo pelos outros gabinetes em que eu participei, em nenhum outro modelo eu me senti tão pressionado e preocupado com as conseqüências de um papel que assinei. É difícil nós vermos em um comitê da Assembléia Geral, por exemplo, qualquer traço de accountability pela postura de um delegado ou pelas decisões que o próprio comitê toma. Em simulações do UNSC, pelo menos de uns anos para cá, isso vem mudando principalmente por conta de uma nova dinâmica de funcionamento, mas como há tantos outros tipos de comitês por aí, o Conselho e os gabinetes são as exceções à regra.


Determinados organismos têm que lidar com a imprensa constantemente (seja de uma forma democrática, como a OTAN, ou autoritária, como no Conselho de Segurança Nacional de 1968). Outros têm que lidar com a possibilidade de demissão de algum de seus membros (como pude presenciar em duas ocasiões, no NSC de 1970 supracitado e o Conselho de Ministros do Império do Brasil, em 1868, do TEMAS 2006). De qualquer forma, esses aspectos remontam à questão da responsabilidade de um jeito ou de outro (cuidado com o que você fala à imprensa, ou dados sigilosos podem vazar; reverter uma demissão não é algo fácil, e indica que alguma coisa não está bem azeitada na máquina decisória; etc.).


Tudo isso forma um conjunto que faz com que gabinetes sejam, na maioria das vezes, algo mais atrativo a quem quer mais emoção no seu modelo. A inserção do accountability na simulação torna as coisas bem mais interessantes e, naturalmente, mais tensas. Essa dose extra de tensão pode espantar alguns delegados, mas geralmente atrai aqueles que já participaram de alguns modelos e querem algo diferente.


A questão do accountability não é o único chamativo dos gabinetes, claro, mas após matutar sobre o assunto, eu acredito ser o mais importante, embora o menos visível em um primeiro momento. O que acham?



6 comentários:

  1. Texto importante, e de certa forma uma continuação tematica do post anterior. Poucas coisas são tão empolgantes em um modelo quanto a sensação de que nossas ações e decisões terão uma conseqüência imediata. Acontece em gabinetes, mas também em situações de crise.

    No entanto, por uma série de motivos, comitês de gabinete são geralmente muito mais realistas do que situações de crise do Conselho de Segurança, p.ex. Os delegados estão mais preparados para abordar o assunto, eles têm mais tempo e assim por diante. Mas sou fã de crises também, como os delegados do CS no MONU 2005 lembram bem.

    Eu ja começo a esquecer os modelos em que estive, mas pelo menos dois gabinetes (Manaus Meeting do AMUN 2006 e Politburo Soviético da SiEM 2007) foram imensamente emocionantes, ainda que eu estivesse a 12 mil quilômetros dos delegados do Politburo durante o evento. Para o bem ou para o mal, gabinetes parecem uma espécie de RPG, ie, o tipo de simulação que o Cedê adora. E a politica internacional nem sempre é tão diferente de um RPG, trust me...

    Mas... Elvis Presley?

    PS: Vejam so o que Modelos da ONU fazem com uma pessoa: o senhor Guilherme Pereira, homem moderado e comedido, bombardeou um pais neutro e causou indiretamente a ascensão dos genocidas do Khmer Rouge no universo paralelo modeleiro! rs.

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  2. Sim, Elvis Presley. Já ouviu "A Little Less Conversation" inteiro, prestando atenção na letra? É a trilha sonora de qualquer gabinete. Foi o que me inspirou a escrever o post, oras. :p

    Por ter lembrado dos UNSC em crise que levantei a questão da responsabilidade/accountability (uma coisa não é tradução exata da outra). No UNSC não há a mesma reação. Nós não somos necessariamente accountable - até porque o UNSC só age porque alguém errou, e esse erro sim é accountable. Em gabinetes nós é somos as pessoas que fazem os erros originais, e isso é um aprendizado e tanto. Mas não sei se isso é unânime.

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  3. Sou suspeito para falar pois sou viciado em comitês de gabinete. Eles, realmente, são o elo perdido entre simulações e o sentimento de "realismo" naquilo que se faz. Depois do CSN 1968 da SiEM I e do Politburo 1953 da SiEM II posso dizer que, poucas vezes, presenciei comitês tão divertidos quanto estes. Tanto que vou ser diretor no United States Security Council no SIMUN.

    Não sei se o que chama mais a atenção é a accountabiltity, mas sim a dinamicidade do comitê em si. Em um CS, por exemplo, você discute séculos para chegar num documento final cujo resultado real será ignorado por todos q gastaram tempo para produzi-lo. Nos gabinetes as decisões tem um impacto mais imediato e os resultados das ações dos delegados influem diretamente na forma em que o comitê vai continuar. Isso adiciona muito no quesito "imersão" que é, na minha opinião, o principal quando se fala de simulação (seja ela do que for).

    Afinal, nada mais legal do que mandar milhares de homens para morrer numa guerra a milhares de quilômetros de distância só com uma canetada. XD

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  4. O jp falou e disse. O grande atrativo dos gabinetes é a RESPONSIVIDADE: você aperta o botão e o encanador italiano na tela se mexe. É isso que eles tem de viciante, e também por isso que funcionam (muitas vezes) melhor com alunos do Ensino Médio do que os comitês tradicionais.

    2. A accountability é uma dimensão importante sim, já que constitui boa parte do feeback intenso. Mas não é todo o feedback.

    3. O motivo de querermos a discussão mesmo nos gabinetes tem a ver com accountability e responsabilidade. Você quer dividir o fardo da culpa se eventualmente a decisão do gabinete der em c*g**a. Ao mesmo tempo, quer evitar o "eu avisei!". Mas acho que o MOTIVO mesmo é o costume, a tradição de debater em outros comitês em modelos e a conseqüente expectativa compartilhada de que todos estão esperando ter discussão.

    4. Quanto à tensão, todos sabem que meu sonho profissional em modelos é matar um delegado meu do coração. Quem sabe na SiEM consigo.

    5. Em tempo: TODA SIMULAÇÃO É RPG (1º post desse blog =p), os gabinetes apenas "parecem mais".

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  5. Cedê, se você estivesse no Politburo da SiEM II como delegado, poderia ter realizado seu sonho: bastaria propor e aprovar uma moção para expurgar seu delegado inimigo. Depois disso, tortura ou GULAG, tudo é possivel no tratamento de um Inimigo do Povo... O BOPE não tem campos na Sibéria, tem?

    Acho que modelos se encaixam na definição bem ampla de RPG, afinal são também uma forma de role-playing. Mas ainda penso que não devemos misturar dragões e duendes com petroleo e peacekeeping. MUNs são sobre assuntos e organizações reais.

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  6. O BOPE não tem campos na Sibéria, mas pelo menos um aluno (aspira) já morreu de frio durante o treinamento....

    Meu ponto sobre modelos & RPG é exatamente e essa: RPG não tem nada a ver com fantasia, dragão, etc. Tanto é que existe RPG de faroeste, de ficção científica, etc. RPG é uma estrutura na qual você encaixa qualquer conteúdo ou tema...

    ...inclusive burocracia internacional! =p

    2. Um insight que tive sobre a diferença de RPGs e modelos é que nos modelos as suas capacidades físicas de ação são idênticas ao do seu personagem; no RPG não. Essa é a única diferença.

    Isto é - o que diplomatas de verdade fazem? Falam e escrevem. E usam terno. Nada além dos limites de alunos de Ensino Médio e universitários. As capacidades físicas (FÍSICAS) suas e do seu personagem são as mesmas.

    No RPG, ao contrário, seu personagem pode voar, lutar com espada, soltar magia, etc.

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