
“Eu vou perguntar só uma vez... CADÊ A BABÁ?”
Tenho a leve impressão que uma lynching mob se dirigirá contra mim após esse post, mas não custa tentar...
Não sei se mais alguém tem percebido isso, mas, nos modelos brasileiros, eu vejo uma “banalização” das crises. Anteriormente, crises eram a exceção, agora são a norma. Em contraste com a época quando comecei a freqüentar modelos (em 2005-2006), quando, normalmente, só comitês de segurança tinham crises, hoje até mesmo comitês ambientais as planejam. Por quê? Eis minha humilde hipótese:
“Antigamente”, a crise tinha duas finalidades. Uma delas era mostrar que aquela simulação era uma coisa bem próxima da realidade. Ora, é claro que se o Conselho de Segurança estiver no meio de uma sessão sobre a renovação do mandato da UNIFIL e alguém abrir a porta de supetão e gritar: “A Geórgia tá metendo o pau nos ossetas!”, eles obviamente vão parar aquela sessão para discutir a questão na Geórgia. Talvez os mais experientes no mundo modelístico possam me desdizer, mas, no meu ver, as crises surgiram para dar aos delegados a sensação de instabilidade inerente a situações extremas ou tensas.
A segunda finalidade das crises era (e ainda é, se forem bem planejadas) ajudar os diretores a separar o joio do trigo. Na crise, você percebe quem realmente incorpora a postura do país (nacionalismo transferido na veia) e quem só sabe a posição do país em relação a um tema. Não estou pedindo que os delegados saibam da política externa inteira do país, o que seria absurdo, mas sim a postura, o que é algo mais difuso. Por exemplo: se estiver sendo discutida a influência das moscas da Patagônia na segurança dos campos de refugiados palestinos e houver uma crise envolvendo a Coréia do Norte, o delegado americano tem que ter o bom senso de tentar esculachar o Kim Jong-Il. Se a França for a linha dura do comitê e os EUA forem da turma do “deixa disso”, existe algo muito errado.
Hoje em dia, principalmente nos casos de uma mesa diretora inexperiente, a crise deixou de ser uma ferramenta de avaliação para ficar apenas como algo que leva o comitê mais próximo da realidade – ou mais longe, dependendo da qualidade da crise – ou até mesmo como “algo legal de se fazer”. Por incrível que pareça, existem pessoas que acham legal ficarem trancadas em uma sala para almoçar – coisa que, sinceramente, não entendo.
De similar maneira, a qualidade das crises também caiu. Claro que antes também existiam casos de crises loucas, como o paradigmático caso da babá egípcia. Mas a insanidade é mais freqüente hoje, muitas vezes por conta de crises mal preparadas. Por exemplo, se for feita uma crise envolvendo um porta-aviões americano, o mínimo que se pode fazer é acessar a página da Wikipédia do navio e verificar que a marinha americana utiliza o prefixo USS, e não HMS, como vi em uma crise por aí.
O problema da qualidade das crises me leva a outra idéia que tenho ventilado com alguns modeleiros: a figura do diretor de crise, que tem se popularizado, principalmente nos últimos anos.
Durante o modelo, é normal algum comitê “precisar de uma crise” por qualquer motivo e não conseguir planejá-la, por quaisquer motivos. Entra em cena aquela figura que existe em qualquer modelo: a do “cara que faz crises”. Essa pessoa normalmente é diretora de algum outro comitê, e acaba tendo que administrar, além das suas próprias crises, as de dois ou três outros comitês. Desnecessário afirmar que isso é prejudicial para o modelo em si, já que o “cara das crises” tem seu próprio comitê para conduzir, e fica com a atenção dividida demais. Além disso, em um espaço curtíssimo de tempo, ele tem que se informar de como o comitê está e quem ele pode influenciar lá dentro, além de fazer uma pesquisa básica sobre o tema, caso seja algo mais obscuro (e.g. influência das moscas da Patagônia na segurança dos campos de refugiados palestinos).
Caso os modelos tivessem três ou quatro diretores de crise “estatutários”, ou seja, selecionados através de edital ou application, alguns problemas poderiam ser solucionados:
1. 1. É possível peneirar as pessoas responsáveis pelas crises através de um processo mais objetivo (no caso de uma application), aumentando a qualidade das crises.
2. 2. A divisão de tarefas entre os diretores permite que cada um dedique mais do seu tempo e atenção a um número menor de comitês, resultando em crises mais detalhadas, bem pensadas e planejadas.
a. Um pouco de brainstorming coletivo nunca prejudicou ninguém. Os diretores podem colaborar entre si para enriquecer uma crise. Quatro cabeças com certeza pensam melhor que uma.
3. 3. A imagem do modelo em si ganha, já que as crises em diferentes comitês terão um nível parecido, eliminando o argumento “meu diretor não sabe fazer crise”.
Já existe pelo menos um caso de sucesso seguindo uma versão reduzida desse modelo que apresentei. Durante o V ONU Jr, os delegados da Crise de Berlim, que se dividia em uma épica batalha entre OTAN e Pacto de Varsóvia, tomavam decisões que afetavam o outro comitê. Entretanto, a ligação não era direta. Existia uma “war room” para a coordenação de crises, a qual foi batizada de GRUCON – Grupo de Controle. O importante é que as pessoas do GRUCON tinham uma visão panorâmica (ou bird’s eye, a que você preferir) de ambos os comitês. Era lá onde as cartas para os governos eram respondidas, as ordens militares, executadas e as crises, desenvolvidas. Sempre consultando os diretores que estavam acompanhando o debate, claro.
Isso me lembra de fazer uma observação: não estou defendendo que um pequeno grupo tome as rédeas do rumo dos debates em todos os comitês de um modelo. Pelo contrário. A integração e o diálogo entre os diretores de crise e os diretores de comitê é fundamental e imprescindível ao sucesso do comitê e, por conseguinte, do modelo.
Estariam as crises fadadas a virarem meros acessórios de comitê? Diretores de crise e war rooms vão “pegar” no mundo modelístico? Aguarde os próximos capítulos.
Philip Hime é aluno do 4º período de Direito na PUC-Rio e diretor da Organização dos Estados Americanos do VI ONU Jr.