terça-feira, 17 de abril de 2007

Kremlin Model United Nations

Da série "modelando pelo mundo".

Na semana passada participei do maior modelo da Rússia, o MIMUN de Moscou, com 800 delegados espalhados em seis comitês, alguns em inglês e outros em russo. Vi coisas novas. Como nunca ouvi falar de qualquer outro brasileiro simulando a ONU nestas bandas, vou contar o que vi de mais interessante em termos de cultura de modelagem.

- O modelo de Moscou existe há uns 16 anos. Calculem e entenderão o motivo. Nos comitês em inglês, havia uns 50% de delegados estrangeiros, quase todos europeus ou da ex-URSS. O nível acadêmico é muito bom, certamente superior ao WorldMUN de Geneva, mas nada de celestial. O Security Council, no qual eu representei a própria Rússia discutindo Darfur, parecia muito um UNSC de AMUN com toda a vendidagem reunida, como em 2005.


- Em compensação, quem diria? Os russos não são modelistas tão duros. São brilhantes na retórica, argumentam como profissionais, mas não sabem brigar de foice. Para derrubar todo o Bloco Ocidental e levar o caneco de Best Delegate, só precisei das clássicas artimanhas safadas de uma velha raposa, que todos conhecem:
--> citar dez mil resoluções e reports obscuros para confundir os outros e impor autoridade;
--> posar hipocritamente de "moderado", "pragmático" e "consensual", enquanto protegia o governo sudanês;
--> destruir emendas alheias por erros técnicos;
--> pedir (e ignorar!) a opinião de todos os outros delegados na hora de escrever a resolução;
--> manipular um monte de estatísticas;
--> manipular a China;
--> alternar discursos tecnocráticos com falas emocionais em público, além de ameaças de veto em unmod caucus com os P-5.

- As regras são totalmente diferentes! A resolução vem no começo do debate, e não no final. Até o segundo dia (são cinco), o comitê deve ter uma resolução pronta para discutir. O grosso do tempo e da briga envolve o processo de discussão e votação das emendas, que geralmente excedem 30. Não existe working paper (!). As regras precisam ser votadas e aprovadas no começo da sessão. Os delegados podem derrubar as decisões da mesa com uma maioria qualificada. Existe abstenção em moções procedimentais. As draft amendments são expostas em um projetor e nunca impressas e copiadas. Com isto, ganha-se tempo. Ao contrário dos MUNs americanos, a vendidagem russa não valoriza o unmod caucus, que é até mais raro do que no Brasil. O negócio é mandar bala nos discursos formais mesmo, além dos documentos.

- Todos os comitês e tópicos são tradicionais e realistas. Modelagem maluca ou mesmo histórica parece algo extremamente raro na Europa, e por enquanto conheço apenas uma exceção, o HistoMUN de Viena.


- Não existe nenhuma autonomia institucional ou política. O modelo não apenas é oficialmente da faculdade (MGIMO, a principal faculdade russa de RI), mas respondia diretamente ao Ministério das Relações Exteriores e, em última instância, ao próprio Kremlin. Vários senadores, deputados e assessores de Vladimir Putin participaram do evento. Imaginem um modelo organizado e controlado de facto pelo Governo Federal no Brasil!

- Processo de inscrições. Todas eram individuais, sem delegação. O único application era uma ficha pedindo sua experiência em modelos. Uma regra proibia os delegados de representarem seus países de origem - faz sentido. Mas os russos inventaram algo realmente bizarro: para os comitês em double representation, as duplas eram impostas aos delegados, sem nenhuma escolha. Eu dividi a Rússia no UNSC com uma japonesa simpática, experiente, mas meio ingênua e de inglês horroroso.

- Havia atividades paralelas todas as noites, mas eram calmas. Apenas uma festa mais ou menos pesada e um barzinho tranqüilo; de resto, tours por Moscou, filmes e palestras. Tudo, sem exceção, estava incluido na taxa de inscrição de 100 dólares. Os jornaizinhos eram bilíngües, inglês/russo, feitos por estudantes de jornalismo ou RP e muito bem escritos, cheios de ironias.


- Nada de egroups antes ou depois do modelo. Essa deve ser uma invenção brasileira, como a churrascaria rodízio e o buffet por quilo. Também não havia prêmios informais. Em compensação, o clima era extremamente amistoso, e a organização, generosa e hospitaleira. E não é que os moscovitas parecem natalenses?

- Não vi vodka em absolutamente nenhuma sala do modelo, antes, durante ou depois das sessões!! How come?

11 comentários:

  1. Primeiro: mais um vendido internacional! Parabéns!

    Por partes:

    1. Aparentemente o WorldMUN é um caso à parte academicamente. O fato de ser tão grande e tão variado realmente deve atrapalhar. Saiu do mundo de MUNs americanos massificados, parece que a qualidade aumenta exponencialmente... Confirma?

    2. Realmente, os europeus e americanos precisam conhecer melhor os modeleiros brasileiros. ;)

    3. A resolução aparecer no começo não me parece tão estranho assim. Se pensar que em alguns casos as reuniões do UNSC começam já com draft resolutions na mesa, não parece tão irreal. Claro, essas drafts já são frutos de várias conversas em mesas de bar e na ONU, mas de qualquer forma...

    4. Como assim, não tem working paper? O debate flui assim?

    5. Nossa, nem quero imaginar como seria um MUN "oficial" no Brasil.

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  2. medo, muito medo.

    informação, muita informação.

    eu ainda não consegui digerir a quantidade de regras diferentes que ele tem! estou chocado! e claro, como um bom modeleiro, entusiasmado! a whole new eurasian world of MUNs!

    fale mais: o debate fluía normalmente? pelo jeito que você falou havia pouco convencimento e muita burocracia (bem soviético, eu diria)

    sabe o que me ocorreu agora? E se nós tentássemos contactar organizações estrangeiras? Tenho um amigo dos EUA que adora MUNs (a id do myspace do cidadão é MUNknight, acho...), talvez ele pudesse passar alguns contatos.

    Mas a grande pergunta é: a Modelagem brasileira está disponível para exportação?

    devemos pensar nisso se ainda nem "catequizamos" o país inteiro nas finas artes sombrias da modelagem?

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  3. ps. que truques manjados hein? ;P você devia usar a boa e velha imposição de agenda.

    se bem que sem working paper, como se faz isso? ;P

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  4. Spasibo, Pereira!

    Eu concordo que a qualidade aumenta fora dos megamodelos de massa. Mas faço uma ressalva: eu estava no pequeno UNSC, enquanto que no andar de baixo era simulado um SPECPOL com 190 delegados... As coisas devem ter sido bem diferentes ali.

    Deixei varios russos interessados em participar dos MUNs brasileiros! O problema é mesmo a grana. Quando eu dizia que vinha do Brasil, as pessoas me olhavam como se eu fosse um inca venusiano...

    Eu achei boa a idéia de lançar resolução no começo. Muda TODA a logica do comitê, mas funciona e é realista. Isso faz com que haja duas ou três resoluções rivais (no nosso caso, uma russa e uma americana), e no SEGUNDO DIA o comitê escolhe qual vai discutir e, principalmente, emendar. Na vida real é assim, oras. O problema é que no modelo essas resoluções são o fruto dos esforços individuais dos lideres de cada bloco, enquanto que na ONU real elas são a conseqüência de meses de preparação.

    Com esse sistema, é a propria draft resolution (com suas possiveis emendas) que guia o debate, substituindo qualquer tipo de agenda ou working paper. Fica quase impossivel enrolar em debates abstratos, pois o documento concreto jà està em cima da mesa.

    Em suma, o foco deixa de ser a discussão politico-filosofica mais geral sobre o problema e suas origens, e passa a ser a briga pelas soluções concretas, desde o inicio. Retorica conta menos e conhecimento do assunto conta mais.

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  5. Esqueci de falar outra coisa: além dos diretores, que moderam os debates, cada comitê tem um "expert" - o sujeito que escreveu o study guide e supostamente é o maior especialista no assunto. Isso é mais ou menos como a divisão entre moderador e diretor que tivemos no Global Classrooms.

    Os delegados podem fazer perguntas diretas ao expert a qualquer momento, quase sem limites. Naturalmente eu usei isso o tempo todo para fazer perguntas retoricas.

    Outra coisa: depois de TODOS os discursos formais, incluindo em mod caucus, até dois delegados podem fazer perguntas diretas para o sujeito que acabou de falar. Mesmo que não tenha acontecido nenhuma cessão de tempo.

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  6. Napster,você precisa listar isso tudo... mas essa resolução do começo da simulação é entregue pelos diretores? ou é "levada de casa"?

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  7. Não, os diretores não escrevem nada.

    Teoricamente a resolução seria levada de casa, mas na pratica os delegados escreveram na noite do primeiro dia...

    (lembrando que havia duas resoluções rivais - o comitê decidiu discutir uma apenas, mas ela foi completamente desfigurada pelas emendas)

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  8. been there, done that.

    então quer dizer que é um comitê normal, só que em vez do foco ser em debate pré-resolução, é feito um pré-debate inicial superficial, e depois já entra no proj. de resolução no segundo dia.

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  9. Yessir. Isso inverte toda a logica dos debates.

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  10. Interessante ver as resenhas dos MUNs pelo mundo ... e mostra que o CS continua sendo um dos melhores comitês p/ ser simulado: por mais que se tente - fazendo duplas, por exemplo -, ele ñ fica lotado ao ponto de atrapalhar os debates.

    Então o GC faz essa divisão de moderador e diretor ... bem legal, o modelo daqui tb é assim. Claro que o diretor pode tb moderar durante um tempo, afinal é um trabalho cansativo.

    Parabéns pelo prêmio, Napoleão. Talvez os russos ainda ñ tenham aprendido a serem vendidos - aliás, como será que seria a expressão "vendido" em russo?

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  11. Nossa...qt diferença. Não consigo realizar um modelo organizado pelo governo brasileiro...hehe

    =D

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